quinta-feira, 19 de junho de 2008

A greve do professorado

O primeiro dia da greve por tempo indeterminado, que foi decretada sexta-feira última pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), mostrou que a corporação tem mais senso de responsabilidade do que suas lideranças. Dos 230 mil docentes da rede escolar pública paulista, só 4,6 mil - o equivalente a 2% da categoria - cruzaram os braços. E, dos 5,5 mil colégios estaduais, poucos foram os que não funcionaram na segunda-feira. Em nota oficial, a Secretaria da Educação solicitou aos pais de alunos que continuem levando normalmente seus filhos à escola e classificou como "política" a tentativa de suspensão das aulas.

De fato, não há outro adjetivo para designar a inconseqüente iniciativa da Apeoesp, uma entidade de classe dirigida por um suplente de senador do PT e que há muito tempo, principalmente nos anos em que há eleições, recorre aos mais variados pretextos com o objetivo de criar constrangimentos políticos para os governos do PSDB.

A nova greve liderada pela Apeoesp não foge à regra. Ela foi deflagrada a menos de cinco meses do pleito municipal, e logo em seguida ao anúncio de que Marta Suplicy será a candidata do PT. E o motivo da tentativa de paralisia da rede escolar chega a ser risível. Os líderes do professorado justificam a greve como protesto contra um decreto que o governador José Serra assinou, no dia 28 de maio, instituindo duas medidas destinadas a melhorar a qualidade da educação pública. A primeira reduz os casos em que professores concursados podem ser removidos durante o período letivo. A segunda medida exige que os docentes contratados em caráter temporário se submetam a uma prova antes de assumir turmas nas escolas estaduais.

Para a Apeoesp, Serra teria acabado com os direitos adquiridos dos professores sem consultá-los previamente. Segundo a entidade, a avaliação exigida dos docentes contratados em caráter temporário é desnecessária e o vaivém dos professores concursados, principalmente dos que não querem trabalhar em escolas de periferia, não atrapalha o desempenho dos alunos. "O professor ingressante (na rede pública) escolhe onde tem vaga e, depois, quer trabalhar perto de casa. Se isso não acontece, ele pede demissão", diz o presidente da entidade, Carlos Ramiro de Castro. "A remoção acontece uma única vez por ano", conclui.

Esta não é, contudo, a opinião dos especialistas em educação. Todos os anos, cerca de 40% dos professores aprovados em concurso público para a rede estadual pedem para trocar de colégio. Quem sai prejudicado com a remoção e a subseqüente indicação de um substituto nem sempre bem preparado é o aluno, que perde o vínculo com o docente que iniciou o curso.

"A criação do vínculo leva tempo. E o professor não pode ser visto apenas como um transmissor de conhecimento. Ele cria um contrato de trabalho com o aluno, por isso é interessante que fique mais tempo com a mesma turma", diz a pedagoga Sílvia Cotello, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. "É inadmissível que a rede estadual tenha um índice de remoção de 40%. Realmente, é preciso criar medidas para reduzir esse número", afirma a educadora Vera Masagão, da ONG Ação Educativa. "Todas as provas que visam a garantir a qualidade do profissional que está em sala de aula são importantes", diz a diretora-executiva da Fundação Lemann, Ilona Becskeházy, depois de defender a avaliação regular do professorado e o afastamento de quem não tiver bom desempenho. "O emprego vitalício, de risco zero, não garante que os melhores professores estarão em sala", conclui.

A única restrição feita pelos pedagogos a Serra é a de que ele assinou o decreto sem ter negociado com a categoria. O problema é que não há negociação possível com a Apeoesp, que nos últimos tempos coloca interesses corporativos e partidários acima do interesse público. Basta ver que todas as medidas propostas pelo governo estadual para melhorar o ensino público foram rejeitadas pela entidade, inclusive a que prevê gratificações para os docentes mais eficientes.

Estadão
18 de junho de 2.008

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