sexta-feira, 11 de julho de 2008

Polícia despreparada

Um ano e meio após a morte do menino João Hélio Vieites, de 7 anos, arrastado pendurado pelo cinto de segurança do carro da mãe, que havia sido roubado, outro menino de apenas 3 anos, João Roberto Amorim Soares, foi barbaramente assassinado no Rio de Janeiro, metralhado por policiais militares (PMs) quando se encontrava no banco de trás do carro de sua mãe, na noite de domingo. A diferença entre as duas tragédias é que a primeira foi produzida por delinqüentes, enquanto a segunda foi obra de quem deveria zelar pela segurança pública.

Os policiais alegam que estavam perseguindo bandidos. No entanto, imagens gravadas pelo circuito de TV de um prédio mostram que não houve nem confronto nem troca de tiros e que os PMs atiraram para matar. As provas são tão inequívocas que o delegado responsável pelo caso considerou desnecessária a reconstituição do crime e o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, admitiu a culpa dos policiais, já presos e indiciados por homicídio doloso.

Essa tragédia expõe mais uma vez o conhecido problema da falta de treinamento profissional e de condicionamento psicológico dos recrutados para as forças policiais. A evidência disso está nos índices de letalidade da PM fluminense. Entre janeiro e abril de 2003, primeiro ano em que os "autos de resistência" passaram a ser registrados na cidade do Rio de Janeiro, 291 pessoas foram mortas por policiais. No mesmo período, em 2007, o número de mortos foi de 288. E, neste ano, já chegou a 331.

Se a tendência for mantida, serão mil pessoas mortas em 2008 - o que equivale a uma taxa de 15 vítimas para cada 100 mil habitantes. Para efeitos comparativos, segundo o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, essa taxa é de 6,6 vítimas, em Nova York; de 6,4, em Buenos Aires; de 1,6, em Paris; e de 1, em Tóquio. Os índices de letalidade das forças policiais fluminenses são preocupantes mesmo quando comparados com os de outras grandes cidades brasileiras. Entre janeiro e abril de 2007, segundo estimativas preliminares da PM paulista, os "autos de resistência" na cidade de São Paulo tinham resultado em 69 mortos. Em 2008, em 71 mortos.

As autoridades policiais do Rio de Janeiro contestam a comparação com São Paulo. Em nota oficial, elas afirmam que, "lá, a política de segurança completou dez anos e aqui estamos na metade do segundo ano, resgatando as polícias de uma penúria que talvez nem a sociedade tenha noção". O argumento destina-se, é evidente, a preservar a imagem política do governador Sérgio Cabral. O fato é que a polícia do Rio de Janeiro não recebe treinamento adequado para lidar civilizadamente com o cotidiano de uma das mais violentas cidades do mundo. Como afirma o presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM fluminense, Vanderlei Ribeiro, após concluir a preparação no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, um soldado da corporação fica anos sem ser submetido a cursos de reciclagem.

Assim que as críticas à falta de qualificação profissional das forças policiais do Rio apareceram na imprensa, após a tragédia de domingo, Cabral assinou um convênio para a realização de programas de "aperfeiçoamento" por internet. A justificativa é que os comandos não podem liberar soldados para reciclagem para não prejudicar o policiamento ostensivo. Serão cursos não presenciais, considerados ineficientes pelos especialistas em segurança.

A falta de programas mais eficientes de treinamento profissional e condicionamento psicológico das forças policiais não é, porém, a única crítica ao governo fluminense em matéria de política de segurança. Os especialistas também questionam a orientação do governo estadual para o setor, afirmando que ele tem estimulado o confronto armado. "Há um entendimento de que o conflito se generalizou e a primeira coisa que o policial faz é puxar a arma. A possibilidade de ocorrer uma tragédia é muito grande. A arma, em vez de ser a última solução, é a primeira", diz o sociólogo Rubens César Fernandes, coordenador do Viva Rio.

Estadão
11 de julho de 2.008

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