sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Um bravateiro incorrigível

Para quem assistiu à sua lastimável pregação na sua primeira campanha presidencial, em 1989, verdade seja dita, Lula não tem sido um mandatário tão inconseqüente e irresponsável como se esperava. Os brasileiros escaldados da época o imaginavam como um Hugo Chávez ou um Evo Morales, portando com orgulho as suas bandeiras antiempresariais, anticapitalistas e, de modo geral, populistas e terceiro-mundistas. Graças a Deus, não foi o que aconteceu. Nossa cartilha econômica tem corte profundamente liberal, o que, fosse outro o país, não acarretaria em mérito algum, uma vez que todos obedecem a esses ditames.

Lula está colhendo sucessos no campo econômico justamente por causa disso. Estivesse dando ouvidos a algum economista aloprado do PT e a realidade seria bem outra. Uma noite destas assisti, curioso, na TV à preleção de um desses espécimes, pregando que a grande solução para o Brasil seria o calote puro e simples de nossa dívida externa.

Estaria tudo bem se nós ainda tivéssemos uma dívida externa ou, porventura, esta ainda arruinasse as contas nacionais. Mas não é o caso. Já há três anos o País mantém uma reserva em dólares (à vista) muito maior do que o montante da nossa dívida, que podemos liquidar integralmente com um único cheque. Só não o fazemos porque é muito mais vantajoso mantê-la como está, uma vez que a remuneramos com juros baixíssimos. O empertigado economista, no mínimo, não deve ler jornais...

Mas, se há perdão para Lula por não ser tão populista como se esperava que fosse, não há indulgência pelo fato de ele ser muito mais demagogo do que deveria ser. O nosso presidente, infelizmente, é chegado em factóides e nisso, para nosso desalento, é reforçado por uma imprensa que, fato inédito, beira a unanimidade a seu favor. Lula gosta de bravatear. E isso é fato inconteste. Trata-se de uma característica que, por diversas razões, não fica bem num presidente da República. A palavra de um chefe de Estado tem um peso infinitamente maior que a de um cidadão comum. Um simples comentário presidencial tem o poder de tumultuar as bolsas de valores, quebrar instituições de crédito, levar à ebulição o mundo político e, entre outras coisas, promover a glória ou a desgraça de qualquer cidadão comum. Lula parece que não se dá conta disso ou, como é habito seu, finge nada perceber.

O episódio recente das supostas reservas de petróleo do pré-sal é emblemático. Em cerimônia oficial no Palácio do Planalto, o presidente solenemente anunciou a descoberta de gigantescas jazidas de petróleo, tão imensas que teriam o condão de transformar o Brasil de importador em exportador do ouro negro. O fato foi destaque no noticiário mundial e agitou todos os pregões. Já nos dias seguintes o nosso Lula partiu para a "inauguração" de tais poços. Para tanto uma imensa comitiva de autoridades e notáveis foi levada de helicóptero para a plataforma marítima vizinha ao local de onde jorraria o novo petróleo.

Lula cuidou pessoalmente de garantir as fotos de primeira página nos jornais do dia seguinte. Lambuzou suas mãos de petróleo e assim posou para a imprensa. Sucesso total. Pena que somente na categoria marketing.

Os dias foram passando e a opinião pública foi tendo acesso a esclarecimentos cada vez maiores sobre o tal do "milagre do petróleo abundante". A jazida é mesmo gigantesca - nisso o governo não iludiu ninguém. Só se esqueceu de dizer que está debaixo de uma camada de quilômetros de sal e que tão cedo não haverá tecnologia eficiente que possibilite perfurar o sal e, assim, extrair o famigerado combustível. Quem sabe daqui a uns dez anos...

Na prática, foi como se nosso precioso petróleo tivesse sido descoberto em Marte, ou quiçá em algum planeta distante do Sistema Solar. O presidente sabia previamente de tudo isso? Há evidências de sobra que sim, ele sabia. Mas em nenhum momento lhe passou pela cabeça cancelar o espetáculo. Esse é Lula e essa é a maneira como ele age.

Outro episódio emblemático do governo Lula diz respeito à viagem do primeiro brasileiro ao espaço. Eu me interesso pelo assunto. Leio tudo o que sai a respeito. Foi por essa razão que estranhei o alardeado convite dos russos para que enviássemos um astronauta brasileiro para colaborar numa expedição sideral. Sem querer desmerecer o Brasil, desde quando nós temos por aqui mão-de-obra preparada e especializada para o País se sair minimamente bem de tão complexa tarefa. Estranhei mais ainda quando, acompanhando a viagem, notei que o brasileiro, na missão, não tinha absolutamente nenhuma atribuição - a não ser agitar freneticamente a Bandeira do Brasil.

Lembrei-me de que, meses antes, os russos haviam levado para o espaço um milionário americano - sem o mínimo conhecimento de tecnologia espacial - tão-somente porque ele se dispusera a pagar US$ 20 milhões pela aventura.

Seria apenas uma coincidência? Infelizmente, não. Duas semanas após o patriótico vôo do brasileiro, o nosso governo divulgou uma nota oficial em que declarava a intenção do governo Lula de contribuir para as pesquisas espaciais russas com a quantia de US$ 10 milhões. A passagem saiu pela metade do preço pago pelo americano. Razões diplomáticas talvez expliquem o desconto. Para Lula foi um excelente negócio: além de dialogar ao vivo com o nosso astronauta por pelo menos 15 minutos, no horário nobre da Globo, ainda teve a satisfação de ver seu prestígio, em pesquisa do Ibope uma semana depois, subir nada menos que dez pontos - de gente que atribuía totalmente a ele a nossa ida ao espaço. Vá alguém criticá-lo num momento desses, de sincera comoção popular... Por muito menos, no passado, muitos foram levados a Sanson, o operador oficial da guilhotina francesa.

Então, ficamos assim: Lula, por hábito, continua mentindo e nós, por prudência, continuamos acreditando.

João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado
E-mail: j.mellao@uol.com.br

Estadão
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080926/not_imp248293,0.php

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segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Desafios do pré-sal

Citando uns poucos números sobre os custos de exploração do petróleo da camada de pré-sal, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, deu mostras de realismo num debate marcado por uma euforia descontrolada das autoridades, a começar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não poucos membros do governo já discutem o destino a ser dado ao dinheiro que, no futuro, o petróleo e o gás dessa camada poderão carrear para os cofres públicos. Mas não tratam, com a seriedade que o caso exige, dos problemas financeiros, técnicos e logísticos a serem vencidos até que se consiga extrair petróleo e gás desses poços em condições economicamente viáveis para a empresa e para o País.

O agravamento da crise do sistema financeiro internacional - de dimensões ainda desconhecidas e que dificultará enormemente a obtenção de financiamentos e investimentos externos por um período igualmente desconhecido - deixou ainda mais evidente a falta de seriedade do governo no debate da questão.

O potencial da camada pré-sal é imenso. Só dos blocos Tupi e Iara, estima-se que podem ser extraídos de 8 bilhões a 12 bilhões de barris de petróleo. De gás, esses blocos e o de Carioca podem produzir 120 milhões de metros cúbicos por dia, o dobro do consumo atual do País.

Mas, para extrair essa riqueza, será preciso investir muito dinheiro. E ninguém sabe quanto. É disso que começa a tratar a diretoria da Petrobrás. "Para cada sistema produtivo (formado por plataforma e equipamentos de apoio) serão necessários investimentos de US$ 7 bilhões", calcula Gabrielli. E quantos sistemas serão necessários? "São muitos, mas não sabemos ainda quantos; podem chegar a 60." Se forem mesmo 60, o investimento necessário nos sistemas produtivos chegará a US$ 420 bilhões. Isso sem considerar o sistema de logística e de escoamento do petróleo e do gás, cujos projetos farão parte de um plano que a Petrobrás pretende anunciar em dezembro.

Não se pode, ainda, determinar com alguma precisão quanto será preciso investir para explorar a área do pré-sal. Igualmente ignoradas são as dificuldades técnicas que podem surgir no processo de prospecção e, depois, de exploração, que será feita em condições inéditas (a cerca de 300 quilômetros da costa e numa profundidade de cerca de 7 mil metros).

Com as informações disponíveis, um banco estimou, com grande margem de tolerância, que o custo de exploração e produção da área do pré-sal na Bacia de Santos variará de US$ 635 bilhões a US$ 1,3 trilhão, que terão de ser desembolsados ao longo de uma década ou mais. Não há estimativas sobre o custo do estabelecimento da cadeia produtiva para transformar o óleo em produtos refinados e petroquímicos, para que o País não seja um mero exportador da commodity energética.

Nem o Orçamento da União nem o da Petrobrás comportam esse volume de investimentos. Apesar da carga tributária crescente, a política fiscal brasileira é caracterizada, há muitos anos, por um nível muito baixo de investimentos e pelo crescimento muito rápido dos gastos correntes, sobretudo com pessoal.

Quanto à Petrobrás, seu programa de investimentos prevê aplicações de US$ 112,4 bilhões entre 2008 e 2012, em projetos e planos que já estão em andamento, ou seja, sem levar em conta o investimento necessário na camada de pré-sal. É um volume tão grande de dinheiro que torna difícil imaginar que a empresa tenha condições de multiplicar esse valor sem contar com a participação de investidores privados e de financiamento externo.

Mas a forma como o governo do PT colocou em discussão a questão do pré-sal, anunciando inicialmente sua intenção de rever as regras para a entrada de capital privado no setor, assustou os investidores. Eles só aceitarão participar de um projeto de dimensões grandiosas como o da exploração da camada de pré-sal quando a situação dos mercados financeiros se normalizar e se estiverem seguros de que as regras serão respeitadas e mantidas pelo prazo necessário para remunerar suas aplicações. Ao declarar, recentemente, que "é preciso uma definição clara do que vai acontecer a cada dia e não ficar mudando as regras do jogo", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia ter-se dado conta do grave erro que seu governo vinha cometendo ao discutir essa questão. Mas é preciso esperar para ver se essa declaração terá conseqüências práticas.

Estadão
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080922/not_imp245871,0.php

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