sexta-feira, 7 de novembro de 2008

China aqui e Lula lá

Nos dias 21 e 24 do mês passado tive o privilégio de atuar como debatedor em dois eventos que integraram a Semana da Universidade de Yale (EUA), em São Paulo, quando professores e gestores dessa escola aqui estiveram em intensa programação. O primeiro ocorreu no Instituto Fernand Braudel, associado à Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), onde o visitante Shiwu Chen, professor de Finanças, ministrou palestra sobre a China. O segundo foi um debate sobre Mudanças de Poder Global: Perspectivas Econômicas e Geopolíticas, organizado pelo Centro de Estudos Americanos da Faap e pelo Instituto FHC. Participaram por Yale o conhecido historiador e professor Paul Kennedy, novamente o professor Chen e Nayan Chanda, editor do site Yale Global Online. Do nosso lado, também o embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da mesma fundação, o embaixador Sérgio Amaral, diretor do referido centro, e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

Também no segundo evento meu interesse se concentrou na China, dado o angustiante momento por que passa a economia mundial, assolada por uma intensa crise financeira de grandes repercussões nas atividades econômicas. E é sabido que o Brasil deposita no desempenho da economia chinesa muitas de suas esperanças de sofrer um impacto relativamente menor do que aquele que se passa nos EUA e em outros países já fortemente atingidos.

Nascido na China, o professor Chen de lá saiu para estudar em Yale, onde ficou como professor, mas visita freqüentemente seu país de origem, onde tem familiares e mantém contatos com empresários e autoridades governamentais. Dos especialistas que já ouvi sobre a China, pareceu-me o mais conhecedor, integrando muito bem os aspectos econômicos, sociais e políticos.

Indagado, reconheceu que o crescimento econômico é fonte de legitimação política do governo chinês, que assim se empenhará em manter elevada a taxa de crescimento econômico, pois uma abaixo de 8% ao ano já seria malvista. Assim, é bom saber que lá haverá gente a fazer força também pelo Brasil, o que solidifica nossas esperanças de nos sairmos menos mal de toda essa encrenca.

No modelo chinês, merece destaque a referência de Chen ao fato de que a concentração de investimentos em manufaturas e infra-estrutura, que se evidencia aos olhos da população, desempenha o papel de mostrar claramente que o país cresce de forma acelerada. No processo, entretanto, a distribuição de renda é comprometida, pois esses investimentos absorvem muitos recursos e a ênfase na exportação reduz o espaço para indústrias mais voltadas para as necessidades da população. Baixa ênfase também é dada aos serviços sociais, como educação, saúde e previdência social, em que os investimentos não são realizados com a mesma intensidade dos que ocorrem nos setores que o governo prioriza.

Na máquina de crescimento chinesa, Chen também destacou que 76% dos ativos pertencem ao governo, que assim recebe o retorno correspondente, consome relativamente pouco, poupa muito para realizar investimentos e é bem contido ao distribuir benefícios à população.

Além de interessantes por si mesmos, esses e outros aspectos do modelo chinês se contrapõem ao tocado aqui pelo presidente Lula. O aspecto crucial é a taxa de investimento como proporção do produto interno bruto (PIB), ou seja, aquela parte da produção que não é consumida, aplicada que é na expansão da capacidade produtiva da economia. Na China essa taxa é cerca do dobro da brasileira, que está em torno de apenas 19% do PIB. A diferença entre os dois países no caso dos investimentos públicos é infinitamente maior, pois o governo daqui, além de não ter o peso relativo do chinês, elegeu o consumismo governamental e o distributivismo social como seus ícones maiores. Só recentemente acordou, mas ainda segue sonolento, para os investimentos e o minúsculo e vagaroso Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na China o investimento foi tão longe que já se fala de excesso de capacidade em vários segmentos da economia.

Nessa percepção comparativa do que se passa nos dois países, é inescapável a conclusão de que temos muito a aprender um com o outro, inclusive buscando ajuda recíproca. De seu lado, os chineses poderiam ensinar-nos como investir mais. Como apreciam essa prática, até investir mais no Brasil. Por exemplo, soube do professor Chen que a indústria do país avançou muito no desenvolvimento e produção de grandes equipamentos para instalações portuárias, de que somos tão carentes, e poderíamos retribuir lições e investimentos com algumas encomendas nessa área, possivelmente facilitadas pelo excesso de capacidade que se manifesta lá.

Nessa linha de reciprocidade, também poderíamos oferecer algo grandioso, dado o seu impacto potencial na macropolítica chinesa. Como ex-chefes daqui e de outras nações, começando em 2011 nosso presidente estará habilitado para palestras e consultorias e poderia transmitir aos chineses sua experiência em programas distributivos, como o Bolsa-Família. Antes de sair, contudo, precisaria consultar-se com seus sábios quanto a uma demanda que certamente lhe fariam os governantes chineses: "Olhe, companheiro, queremos que você nos ensine como mexer os pauzinhos para distribuir, mas sem sacrificar tanto o investimento público e o crescimento, como você fez no Brasil."

Portanto, incluamos na nossa pauta de intercâmbio com os chineses esses dois itens, distribuição e crescimento. É possível que esteja aí a oportunidade de pensarmos uma solução de meio-termo para o diferente contraste entre uma coisa e outra, que os dois países hoje enfrentam.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Estadão
07 de novembro de 2.008

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