terça-feira, 10 de novembro de 2009

De olho na segunda onda

10/11/2009

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Passado o inverno, pesquisadores do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) fizeram o primeiro mapeamento de pacientes internados com gripe pelo vírus influenza A (H1N1).

O objetivo do estudo, publicado na revista Clinics, foi descrever as características epidemiológicas dessa gripe no HC durante o período de pandemia deste ano.

De 16 de junho a 16 de setembro, o hospital confirmou 472 casos de pacientes infectados pelo H1N1, com 210 internações e 16 mortes. O Estado de São Paulo concentrou cerca de 40% do total de infectados no país, com 3.733. O número de óbitos no Brasil devido à doença, até 16 de setembro, foi 699.

De acordo com a infectologista Anna Sara Shafferman Levin, uma das autoras do artigo, esse é o segundo trabalho publicado pelo grupo de pesquisadores do HC desde o início da epidemia. O primeiro artigo descreve os protocolos de manejo, como triagem, manejo da infecção em grávidas, particularidades da terapia intensiva desses pacientes e outros procedimentos.

“Esse segundo artigo dá uma dimensão do que ocorreu, com a ideia de transformar a experiência em algo que pudesse ser utilizado. Foi a primeira onda dessa gripe e não sabemos ainda qual o impacto dela para o inverno de 2010, sobretudo porque será a primeira experiência com vacinação para conter a epidemia do vírus H1N1”, disse à Agência FAPESP.

Anna coordenou o projeto “Avaliação e controle da disseminação de Staphylococcus aureus resistente a oxacilina em Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas”, que teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.

Segundo a professora do Departamento de Doenças Infecciosas do HC, como a gripe é praticamente desconhecida “imunologicamente” na população e é sazonal, todos os centros de referência de São Paulo e no país precisam se preparar para o próximo inverno, esperando o que os especialistas chamam de “segunda onda”.

“Fora de períodos de epidemia de gripe, geralmente existe uma parcela da população que já teve contato com a gripe e que não será infectada, e uma outra que tomará a vacina. O problema do novo vírus influenza é que praticamente toda a população é suscetível ao vírus. Ou seja, quase não há pessoas imunes na população”, explicou.

Na história natural das epidemias de gripe ocorre um número grande de pessoas contaminadas na primeira estação de gripe, que é o inverno. No inverno seguinte ocorre a “segunda onda”, que é um comportamento natural.

Segundo Anna, pode haver uma onda mais forte que a primeira. “Para impedi-la precisaríamos vacinar próximo a 100% das pessoas suscetíveis, porque assim haveria redução da circulação do vírus e controle da epidemia”, disse.

Quando se vacina uma porcentagem da população, o vírus reduz a sua circulação. “Foi assim com a varíola. Não se sabe qual a proporção de pessoas que se precisa vacinar contra a nova gripe para que o número de suscetíveis seja pequeno o suficiente para reduzir a circulação do vírus. Assim, as pessoas que não foram vacinadas também ficariam protegidas”, indicou.

O estudo verificou que os pacientes atendidos apresentavam um quadro com síndrome respiratória aguda grave. Mais da metade era jovem (média de 29 anos) e mulheres, o que confirma também a média nacional em que 57,5% dos casos ocorreram com as mulheres.

A maioria dos pacientes (85,5%) apresentou pelo menos um fator de risco como imunossupressão (15,6%), doença respiratória (14,3%) e doença cardiovascular (12,3%).

De acordo com Anna, no caso de outras epidemias um dos grupos mais suscetíveis é o dos idosos. Mas, no caso do H1N1, eles não foram o grupo mais afetado.

“Ainda não há uma explicação definitiva para isso, existem algumas hipóteses. Uma – que já caiu por terra – seria porque os idosos já estariam protegidos parcialmente porque tomam vacinas. Mas não é isso. É possível que eles tivessem tido um contato, nas décadas de 1950 ou 1960, com algum vírus parecido. Mas isso também é só uma hipótese”, indicou.

Vacinação de adultos

Há previsão de que parte da população brasileira comece a tomar a vacina contra o H1N1 no início do próximo ano. Mas até agora não se sabe ao certo qual o percentual da população que precisa ser vacinado. “Acompanharemos o que está ocorrendo na América do Norte e na Europa, nos quais a vacina está sendo aplicada. Poderemos verificar quais estratégias funcionarão e quais não. O Brasil pode se beneficiar com essas experiências”, disse.

Apesar da experiência em outros países, existem características que complicam um pouco mais a situação brasileira em relação à vacinação, segundo Denise Schout, do Departamento de Medicina Preventiva do HC e primeira autora do artigo.

“Temos um volume de pessoas a serem vacinadas que não é pequeno. Do ponto de vista da organização de vacinação isso também é um grande desafio. Para dar a cobertura adequada, precisamos rapidamente nos organizar para agir de forma muito eficiente. Temos muita experiência, mas na vacinação de crianças, não tanto na vacinação de adultos. Isso é sempre um desafio maior para os grupos de risco”, disse.

Denise destaca que o diagnóstico laboratorial realizado no próprio HC diminuiu o tempo de permanência desses pacientes nos hospitais. Ou seja, a agilidade no diagnóstico resultou em menor tempo de internação e, consequentemente, em menor número de óbitos.

“Outro ponto importante foi o apoio da farmácia do HC à distribuição de medicamentos para crianças. Por conta disso, não tivemos nenhum óbito em criança na fase aguda da epidemia”, ressaltou. Para ler o artigo Epidemiology of human infection with the novel virus influenza A (H1H1) in the Hospital das Clínicas, São Paulo, Brazil - june-september 2009, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

Continue lendo >>

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A credibilidade do Enem

Os problemas em cadeia gerados pelo vazamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), frustrando estudantes e desorganizando os vestibulares das universidades, são mais uma amostra do que pode ocorrer quando os interesses eleiçoeiros são postos à frente da racionalidade administrativa nos órgãos técnicos do Estado.

Os problemas em cadeia gerados pelo vazamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), frustrando estudantes e desorganizando os vestibulares das universidades, são mais uma amostra do que pode ocorrer quando os interesses eleiçoeiros são postos à frente da racionalidade administrativa nos órgãos técnicos do Estado. Os efeitos foram tão avassaladores que podem desmoralizar a própria prova, que há mais de dez anos vinha sendo uma das principais ferramentas do Ministério da Educação (MEC) para tentar melhorar a qualidade do ensino brasileiro.

Aplicado pela primeira vez em 1998, o Enem, em suas primeiras versões, limitava-se a divulgar as notas individuais dos estudantes que a ele se submetiam espontaneamente. Hoje, graças à experiência acumulada e ao respeito que conquistou entre os estudantes, a prova permite avaliar o desempenho das escolas públicas e privadas, dando às autoridades educacionais condições de identificar as diferenças entre elas e tomar as medidas necessárias para reduzi-las. A avaliação também permite a elaboração de um ranking de qualidade, o que orienta os pais na escolha dos colégios. Em primeiro lugar, o Enem vinha sendo um indutor de mudanças qualitativas não apenas do ensino médio, mas também do ensino superior. Foi o sucesso desse mecanismo de avaliação que estimulou muitas universidades a reformularem inteiramente seu processo seletivo e assegurou aos estudantes uma alternativa aos anacrônicos "cursinhos preparatórios".

Resultante do açodamento com que o ministro Fernando Haddad tentou introduzir mudanças no Enem de 2009, para utilizá-las como bandeira política na campanha eleitoral de 2010, o vazamento da prova praticamente anulou o planejamento das universidades para o próximo ano. Instituições de ponta, como a USP e a Unicamp, desistiram de levar em conta os resultados da prova. O mesmo ocorreu com importantes universidades confessionais, como o Mackenzie e as PUCs de São Paulo e Campinas. As universidades federais que aceitaram a proposta do MEC de converter a prova em vestibular unificado foram obrigadas a reformular o calendário escolar. Por seu lado, as universidades privadas reclamam dos prejuízos financeiros e acadêmicos.

As inscrições para o ProUni, umas das poucas iniciativas bem-sucedidas do governo Lula no campo educacional, também terão de ser adiadas. Para tentar evitar atrasos no início do próximo semestre letivo, a Secretaria de Ensino Superior (Sesu) terá de adotar uma gambiarra nesse programa, aceitando a pré-matrícula dos bolsistas e deixando para depois a fase de comprovação de informações referentes à renda familiar e ao histórico escolar dos candidatos a bolsas de estudos. E, obrigado a devolver a taxa de inscrição de R$ 35 aos alunos de escolas privadas que desistirem de fazer o Enem, por causa do adiamento das provas para os dias 5 e 6 de dezembro, o MEC está montando às pressas um esquema de reembolso para o qual não tem qualquer expertise. Os alunos terão de enviar uma carta para o Inep, o órgão responsável pela prova, mas a data e a forma de devolução do dinheiro até agora não foram definidas.

Para custear todos esses gastos não previstos o MEC será obrigado a desviar recursos de suas atividades-fim. Mais uma vez, infelizmente, prevalece o velho vício da administração pública brasileira, em cujo âmbito as verbas orçamentárias acabam ficando no meio do caminho, jamais chegando integralmente aos seus destinatários finais para a execução de políticas públicas eficientes. Somente o custo da impressão da nova prova consumirá cerca de R$ 33 milhões dos R$ 110 milhões de que o MEC dispunha para aplicar o Enem a 4,1 milhões de estudantes em 1,8 mil cidades este ano. Além disso, há ainda que se contabilizar os gastos com o aluguel dos locais para a prova ? e assessores de Haddad já reconheceram que eles podem ser muito superiores aos custos de contratação de uma nova gráfica.

Evidentemente, a bagunça em que se converteu o Enem de 2009 afetou a credibilidade da prova, o que é reconhecido até dentro do próprio governo. Ela poderá ser recuperada a médio e longo prazos, é certo. Mas, para que isso ocorra, é preciso que a racionalidade administrativa, e não o interesse eleitoral, volte a prevalecer no MEC. 


ESTADÃO

Continue lendo >>

terça-feira, 29 de setembro de 2009

''Vazamentos seletivos'' de dados

Em ofício enviado ao ministro da Justiça, Tarso Genro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, voltou a pedir ao Executivo que forneça os resultados do inquérito aberto pela Polícia Federal (PF), no ano passado, para apurar o vazamento de informações obtidas pela corporação em investigações protegidas por segredo de Justiça. O problema começou quando a PF passou a fazer operações espetaculosas, expondo a imagem pública de políticos e empresários presos em flagrante. Assim que os tribunais superiores tentaram coibir abusos, os órgãos de imprensa passaram a receber fitas, fotografias e degravações de conversas consideradas suspeitas entre as pessoas detidas pela corporação. Até magistrados tiveram conversas vazadas.

A ideia era intimidar desembargadores federais e ministros do Superior Tribunal de Justiça e do STF. Todas as vezes em que um deles concedia habeas corpus a pessoas presas pelas operações espalhafatosas da PF, seu nome aparecia em alguma informação vazada pela corporação. Entre os nomes "vazados", entre 2005 e 2007, por exemplo, estavam o da desembargadora Cecília Mello, do TRF da 3ª Região, e dos ministros Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso. O próprio Gilmar Mendes foi objeto dessa estratégia de constrangimento.

Durante a Operação Navalha, realizada em maio de 2007, o nome do presidente do STF e do CNJ foi divulgado pela PF como beneficiário de um esquema de aliciamento da Construtora Gautama. Na realidade, o investigado era Gilmar Mendes ex-secretário da Fazenda de Sergipe. Policiais sabiam disso e se valeram da homonímia para criar confusão.

"Mais uma vez fica nítido o modus operandi da PF. Por meio de sórdidas acusações nos meios de comunicação com a finalidade de submeter magistrados aos propósitos de policiais federais (...), desacredita-se o juiz que não se revele disposto a abrir mão de sua independência ao decidir", diz Mendes, depois de acusar a PF de desrespeitar sistematicamente garantias fundamentais asseguradas pela Constituição e de tentar desmoralizar o Poder Judiciário, abrindo caminho para a substituição do Estado de Direito por um Estado Policial.

"O padrão de atuação de certos agentes públicos resume-se ao vazamento distorcido à imprensa de conversas descontextualizadas, sem a devida investigação e sem corroboração dos fatos nelas supostamente narrados. O resultado é a comprovação da falsidade das conclusões que tais agentes fizeram apressadamente chegar aos meios de comunicação", afirma o presidente do STF.

Em seu ofício, Mendes enumera nove casos de tentativa de constrangimento de desembargadores e ministros. Segundo ele, os magistrados que não se curvassem às pretensões dos delegados federais passavam à condição de corruptos e, na sequência, tinham seus nomes vinculados a fatos inverídicos. "Não é de se estranhar que tal estado de coisas produziria, com o passar do tempo, anomalias sistêmicas", conclui.

Pressionado pela mais alta Corte do País após os abusos cometidos pela PF em julho de 2009, durante a Operação Satiagraha, o ministro Tarso Genro ordenou à direção da PF a abertura de inquérito para apurar o vazamento de informações protegidas por segredo de Justiça. Na ocasião, o presidente do STF chegou a procurar pessoalmente o próprio presidente Lula, que prometeu cobrar agilidade e eficiência de seu ministro da Justiça, a quem a PF está subordinada. Um ano e dois meses depois, porém, as investigações continuam inconclusas e a cúpula da PF se limita a dar declarações vagas e imprecisas sobre o que foi efetivamente apurado até agora.

Foi por isso que Mendes optou por enviar suas reclamações ao ministro da Justiça por meio de ofício, com cópia para o procurador-geral da República. Diante da solicitação formal de informações feita pelo chefe de um dos Três Poderes, cabe agora ao ministro Tarso Genro responder se a direção da PF foi inepta ou omissa. Se foi incompetente, o ministro poderá ser indagado dos motivos pelos quais mantém pessoas despreparadas para chefiá-la. E, se foi omissa, o STF poderá exigir de Genro que aplique as sanções administrativas previstas por lei e pedir ao Ministério Público que avalie a possibilidade de medidas judiciais por crime de responsabilidade.

ESTADÃO

Continue lendo >>

domingo, 20 de setembro de 2009

O próximo mês de outubro assinala o centenário de nascimento de Norberto Bobbio, o grande pensador italiano falecido em 2004, cuja obra há muito tempo vem sendo discutida e apreciada em seu país e em tantos quadrantes culturais do mundo. No Brasil, que visitou em 1983 e onde deu conferências e participou de debates na Universidade de Brasília e na Faculdade de Direito da USP, ele se tornou uma referência, não só para um diversificado espectro do campo político brasileiro que vai da esquerda ao centro liberal, como também para os estudiosos das áreas do conhecimento a que se dedicou ao longo de uma vida voltada para o ensino e a pesquisa.

O rigor e a profundidade dos conhecimentos, o espírito público, a inteireza do caráter, a altiva independência, o empenho no diálogo, o combate ao arbítrio e aos fanatismos, a dedicação à preservação da liberdade e a permanente preocupação com a igualdade são características do percurso de Norberto Bobbio e do seu "socialismo liberal". Foram, no correr da sua vida, explicitadas e articuladas como professor e intelectual que militou no espaço público da palavra e da ação e são componentes substantivos do seu magistério.

O que singulariza o magistério de Bobbio é a clareza. San Tiago Dantas observou que "a tarefa da inteligência humana é tirar o valor das coisas da obscuridade para a luz". A essa tarefa da inteligência humana Bobbio se dedicou com resultados exemplares. Por isso, foi considerado o grande clarificador dos problemas e desafios da teoria jurídica e da teoria política, da paz e da guerra, da tutela dos direitos humanos, da relação entre os intelectuais e o poder, das especificidades da cultura italiana e europeia e de seus autores clássicos, para mencionar grandes e significativos blocos da sua notável obra - da qual grande parte dos títulos mais conhecidos está disponível em edições brasileiras. Bobbio esclarece os seus leitores graças às virtudes do seu estilo de pensamento - e estilo, como a cor para o pintor, é uma qualidade da visão, como dizia Proust.

O estilo de Bobbio é de índole analítica. Analisar significa dividir, distinguir, decompor, que é o que ele faz no trato dos conceitos. Nas suas análises opera com uma multiplicidade de dicotomias voltadas para apontar diferenças e semelhanças e, dessa maneira, lidar com uma realidade complexa e desordenada. Levando em conta a "lição dos clássicos" e os seus temas recorrentes, reaglutina os conceitos, numa arte combinatória de grande originalidade, na qual a linguagem ilumina o entendimento dos contextos e das situações. É isso que faz dele um raro caso de pensador analítico com agudo senso da História. Daí a qualidade e pertinência dos seus juízos.

O ponto de partida de Bobbio, como diz em Política e Cultura, é o da "inquietação da pesquisa, o aguilhão da dúvida, a vontade do diálogo, o espírito crítico, a medida no julgar, o escrúpulo filológico, o senso de complexidade das coisas". O pano de fundo da sua obra, como a de Isaiah Berlin, Raymond Aron, Hannah Arendt - o centenário destes também celebrei nesta página -, é uma resposta às rupturas e descontinuidades do século 20, cujas vicissitudes enfrentaram com a sensibilidade comum que, independentemente das posições, caracteriza uma geração, como salienta Ortega y Gasset.

Bobbio viveu os seus anos de formação no período fascista, regime político que é parte integrante da dinâmica da "era dos extremos", que historicamente moldou o século 20. O fascismo, como ele observou, "trazia a violência no corpo. A violência era a sua ideologia". Caracterizou-se pela exaltação da guerra e a estatolatria e o seu ímpeto motivador foi o combate à democracia.

A obra de Bobbio, em função da sua vivência e da sua oposição ao fascismo, a isso se contrapôs. Por isso, como observa Pier Paolo Portinaro, tem como um dos seus elementos constitutivos a contestação à fúria dos extremos, voltada para a destruição da razão, que caracterizou o contexto político italiano e europeu, com irradiação mundial antes, mas também depois da 2ª Guerra Mundial. É, assim, um percurso intelectual muito voltado para a pesquisa e a análise de alternativas medularmente distintas daquelas que o fascismo, como regime de vocação totalitária, emblematizou, em especial a destruição da democracia e a glorificação do belicismo e do papel salvador do "Duce".

É nessa moldura que se configuraram temas recorrentes e interligados da reflexão de Bobbio. Entre eles, o da domesticação do poder pelo Estado de Direito, a defesa da perspectiva dos governados pela abrangente tutela das várias gerações de direitos humanos, a razão de ser da democracia e das suas regras, que "conta cabeças e não corta cabeças". É nesse contexto, voltado para eliminar ou limitar, da melhor maneira possível, a violência como meio para resolver conflitos, que se insere a sua análise das relações internacionais e o seu empenho em prol da paz, direcionado para conter o caso mais clamoroso da violência coletiva, que é a guerra entre os Estados que, na era nuclear, tem o potencial de destruição da própria humanidade.

A violência, que se caracteriza pela desproporção entre meios e objetivos e pela falta de medida, destrói, exaure e não cria. Permeia este século 21, que continua carregando no seu bojo a herança da "era dos extremos" que moldou o século passado. A atualidade e a autoridade do legado de Bobbio residem na lúcida busca que, com o realismo de um olhar hobbesiano e a dimensão ética de um coração kantiano, empreende de caminhos jurídicos e políticos alternativos à violência no labirinto da convivência coletiva. Tem como lastro a conjetura de que o único possível e plausível salto qualitativo na História é o da passagem do reino da violência para o da não-violência.

Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC

ESTADÃO 

Continue lendo >>

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Merval Pereira - Educação e salário, tudo a ver

A relação entre nível educacional e crescimento econômico, e a consequência desse processo no rendimento de cada cidadão, é um dos pontos mais importantes do livro "Educação básica no Brasil - construindo o país do futuro", lançado recentemente pela editora Campus.

A relação entre nível educacional e crescimento econômico, e a consequência desse processo no rendimento de cada cidadão, é um dos pontos mais importantes do livro "Educação básica no Brasil - construindo o país do futuro", lançado recentemente pela editora Campus. Escrito por diversos estudiosos da Educação, o livro tem dois capítulos que analisam essa correlação.

O do educador Cláudio Moura Castro mostra que um cidadão que tenha o ensino fundamental ganha o dobro de outro sem Escolaridade, e os que têm ensino médio completo recebem cerca de 1/3 a mais de quem possui apenas o fundamental. Os que são graduados recebem 3,5 vezes mais do que os que só têm o ensino médio.

Os economistas Fernando Holanda Barbosa e Samuel Pessoa, ambos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas, mostram que cada ano de Escolaridade aumenta a produtividade do trabalho nos Estados Unidos em cerca de 8%.

Segundo os pesquisadores, diferenciais de Escolaridade são explicações fundamentais para a diferença de renda per capita entre o Brasil e vários países. A Educação explica de 30% a 50% da desigualdade de renda no Brasil entre a década de 1970 e meados de 1990.

A partir da mudança de paradigma, nos últimos 15 anos, a Educação tem tido, segundo os autores, "papel central" na redução da desigualdade. Os economistas chamam a atenção para o fato de que "os efeitos do atraso educacional extrapolam os limites das variáveis estritamente econômicas, como renda e distribuição de renda. A favelização das grandes metrópoles e a explosão da criminalidade na década passada também estão associadas ao atraso da Educação".

O economista Fernando Veloso, da FGV, coordenador do livro com Fábio Giambiagi, Samuel Pessoa e Ricardo Henriques, com estudo das estatísticas do ensino brasileiro, mostra que falamos que foi universalizado o acesso ao ensino fundamental - 97% das crianças de 7 a 14 anos estão na Escola -, mas, "se olharmos os dados da taxa de conclusão do ensino fundamental no Brasil em 2007 veremos que apenas 60% o concluíram, enquanto no ensino médio só 35%".

Estamos usando o termo "universalizar" de maneira errada, pois ele geralmente indica conclusão, inclusive para a ONU. Na análise por faixa etária, Veloso mostra a evolução na proporção da população com pelo menos o ensino médio completo, mas também as deficiências, que ainda são maiores que os avanços.
No Brasil, entre 25 e 64 anos, a média é de 30% com pelo menos o ensino médio completo, e, quando se pega o pessoal mais velho, de 55 a 64, a taxa é de 11%, o que mostra que melhoramos com os mais jovens.
Mas na Coreia do Sul, ressalta Veloso, os cidadãos de 55 a 64 anos tinham média de 37% com o médio completo, e os de 25 a 34 já têm 97%. "Nessa faixa, a Coreia universalizou o ensino médio, e o Brasil está com 38%, ainda uma distância enorme".

Num livro anterior, em artigo escrito em parceria com Sérgio Guimarães Ferreira, ele estava mais pessimista do que hoje. Embora entre 1980 e 2000, tenha havido aumento expressivo da Escolaridade média, de 3,1 para 4,9 anos de estudo, países de renda per capita similar à brasileira experimentaram significativos aumentos de Escolaridade, de forma que a diferença entre o Brasil e eles se elevou ao longo do período.
Em 1960, os brasileiros tinham um nível de Escolaridade um pouco maior que o dos mexicanos, mas, em 2000, estes tinham 2,3 anos de estudo a mais do que nós. A Índia também teve um crescimento expressivo. Em 1960, a sua Escolaridade média era inferior à do Brasil em 1,2 ano de estudo, enquanto em 2000 ela já era um pouco superior à brasileira.

Enquanto em 1960 a Coreia do Sul tinha uma Escolaridade média superior à do Brasil em 1,4 ano de estudo, em 2000 essa diferença havia se elevado para quase seis anos.

Como o Brasil estagnou durante muito tempo, até mais ou menos início da década de 80, a diferença era enorme, analisa Veloso. Mas a continuidade de programas educacionais, e o surgimento de instrumentos para medição da qualidade do ensino e, consequentemente, para a solução dos problemas, fazem com que ele esteja um pouco mais esperançoso hoje.

Em relação à Coreia, Veloso destaca a qualidade do ensino, e aí talvez seja ainda mais gritante a diferença. Na tabela da Pisa de 2006, a Coreia é 4º e o Brasil é 54º; a Coreia está em 1º e o Brasil 49º em leitura.
O parâmetro brasileiro poderia ser o Chile: de 25 a 34 anos, 64% completaram o ensino médio, e no Brasil apenas 38%.

O que fazer para melhorar a qualidade do ensino brasileiro, e ao mesmo tempo conseguir que a universalização signifique conclusão do curso?

O programa de reformulação do sistema de ensino dos Estados Unidos, proposto pelo presidente Barack Obama, é um paradigma a ser seguido no Brasil. Propostas como pagamento de professores segundo o desempenho, já estão sendo adotadas em alguns estados, como São Paulo e Pernambuco, com o pagamento de bônus para as melhores Escolas.

Outra forma sugerida é o estabelecimento de contratos de gestão entre o governo e as Escolas que condicionem o repasse dos recursos ao cumprimento de metas de desempenho.

A quinta meta do programa "Todos pela Educação" é o "investimento em Educação ampliado e bem gerido". Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais mostram que o investimento direto em Educação como um todo passou de 3,9% do PIB, em 2005, para 4,4% em 2006, chegando ao maior percentual dos últimos seis anos.

Na Educação básica, o investimento foi de 3,2%, em 2005, para 3,7%, em 2006. O professor e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Ricardo Paes de Barros diz que "para alcançarmos a Meta 5 será necessário quadruplicar a velocidade com que o gasto público com Educação vem aumentando no país".

Na comparação com outros países, o Brasil investe na Educação básica menos do que a Finlândia (4%), Suécia (4,5%) e Nova Zelândia (4,3%). No caso do investimento per capita, dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) de 2003 apontam que o Brasil investe nas séries iniciais do ensino fundamental quase a metade do que o México e quase três vezes menos que o Chile.

26/08/2009 - O GLOBO (RJ)

Continue lendo >>

domingo, 16 de agosto de 2009

Livro analisa 1.554 discursos de Lula

Falas do presidente constituem a matéria-prima do jornalista Ali Kamel

Roldão Arruda

O Brasil já teve presidentes que detestavam falar em público. O general Emílio Garrastazu Médici, que comandou a nação entre 1969 e 1974, foi um. "Presidiu o País em silêncio, lendo discursos escritos pelos outros", anotou a seu respeito o jornalista Elio Gaspari no livro A Ditadura Escancarada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai na direção oposta. Ele discursa, dá entrevistas e fala no rádio com tanta voracidade que tem chance de acabar o seu governo dizendo que "nunca antes neste país alguém discursou tanto..."

Todas essas falas presidenciais constituíram a matéria-prima do jornalista Ali Kamel na realização do livro Dicionário Lula - Um Presidente Exposto Por Suas Palavras (Editora Nova Fronteira), que está chegando às livrarias. É uma iniciativa ousada e bem executada de se definir o que realmente pensa o primeiro mandatário, a partir do que diz. O livro põe abaixo ideias preconceituosas, confirma com fartura de informações coisas que alguns acadêmicos já sabiam e, sobretudo, expõe o homem de corpo inteiro, com suas contradições, crenças, estratégias políticas.

Kamel, que é diretor da Central Globo de Jornalismo, utilizou apenas as falas de improviso do presidente - nos períodos de janeiro de 2003 a maio de 2008 e de setembro de 2008 a março de 2009. Renderam um cartapácio de 1.554 textos, que ele triturou e classificou, garimpando os termos mais significativos e recorrentes da retórica lulista. Assim surgiu o dicionário do título - uma obra de referência, com 354 verbetes, de "aborto" a "vontade", passando por "elite", "José Serra", "mensalão", "meio ambiente" e outros.

O leitor deseja saber como vê a imprensa? O verbete a respeito reúne trechos de treze discursos e entrevistas sobre o assunto. É um caso típico de desassossego, ou, como diz Kamel, "um caso de amor aparente e mágoa mal resolvida". O presidente elogia aqui e ali, mas sempre acrescenta um senão. "Eu não brigo com a imprensa, eles brigam comigo", disse no Paraná, em 2007. "A imprensa não publica aplausos, só vaias", resmungou para um jornalista português, um ano depois.

Se o leitor pular do verbete "imprensa" para "Congresso" e "Judiciário", verificará um processo semelhante. Lula diz que são indispensáveis para a democracia, mas quase sempre acrescenta um senão. O Congresso, por exemplo, errou ao cassar o mandato de seu amigo José Dirceu, "sem ter provado alguma coisa contra ele".

O verbete mais alentado é o que fala de Lula. Não pela preferência de Kamel, mas porque Lula adora falar dele mesmo. São 25 páginas, uma mini autobiografia, na qual reluzem as passagens da infância pobre e da vida operária. O presidente tem noção clara da importância de sua história - improvável história de um menino miserável que se torna presidente - para aproximar e estimular as pessoas e consolidar sua imagem. Em 2006, diante da elite econômica do planeta, em Davos, declarou: "Sou de uma terra onde, se as pessoas não morrem até completar um ano de idade, já é um milagre. E eu não morri, cheguei a presidente."

PREDESTINADO

O dicionário é antecedido por um texto com a análise do material recolhido. Kamel chama a atenção para o sentimento de predestinação que inunda o presidente - como se o fato de ser o primeiro operário a morar no Planalto já fosse suficiente para tornar seu governo melhor. Daí o excesso de expressões como "nunca antes na história", "desde Cabral", "desde a Proclamação da República". No conjunto de 1.554 textos, Lula recorre a esses bordões em 880.

Kamel também investiga se há coerência nas falas de Lula. Constata que é coerente em alguns casos; e incoerente na maioria das vezes. Exemplo de coerência é a insistência em dizer que seu governo cuida dos pobres. De cada dez discursos, seis contêm referências ao combate à pobreza.

Mas é incoerente na definição de políticas sociais. No início do governo, criticou seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, por distribuir dinheiro aos pobres por meio de vales, como o auxílio para o gás e o Bolsa-Escola. Isso acomoda as pessoas, desestimula os pequenos lavradores a plantar, dizia Lula em 2003. "Tem gente que não quer mais isso (plantar) porque prefere ficar esperando o vale isso, o vale aquilo."

Passados sete meses, criou o Bolsa-Família, ampliando a transferência de renda. Mas isso não acomoda as pessoas? "Não, pelo contrário. O acesso às necessidades básicas aumenta a autoestima", dizia o mesmo Lula em 2007.

O homem que emerge da análise de Kamel é um brasileiro médio, mais ou menos crente em Deus, que adora falar da mãe, exaltando o modelo tradicional de família". Seu discurso político é fluido, conciliador e pragmático. Acredita que seu papel é ajudar o operariado a satisfazer as três coisas com que sonha na vida.

E quais são elas? "Uma casa, casar com uma mulher bonita e ter um bom carro", como definiu em discurso diante de operários da Ford, em 2007. Alguém consegue ver nessa afirmação um político de esquerda, interessado na luta de classes, como já tentaram retratá-lo?

O autor sabe que sua análise não é definitiva - e que a melhor parte virá quando os discursos de Lula puderem ser cotejados com os resultados de seu governo. Seu livro, porém, constitui uma agradável surpresa na área da análise política.

Lula não é o primeiro governante a se apresentar como predestinado (Jânio Quadros subiu como foguete na vida político fazendo isso), nem o primeiro pai dos pobres (Getúlio Vargas ainda ocupa o primeiro lugar no panteão). Ele é imbatível, porém, no campo da linguagem. Kamel mostra que o ex-menino pobre sabe usar como ninguém a linguagem das ruas - com metáforas simples e vocabulário de fácil compreensão - para falar com os brasileiros. Nunca, jamais na história, houve presidente que falasse de modo tão popular como ele.


ESTADÃO

Continue lendo >>

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Brasil tem a maior perda de gás da história

País queima ou reinjeta mais gás do que é consumido pela indústria de SP

Kelly Lima

O Brasil tem em 2009 a maior sobra de gás natural de sua história. No total, deixaram de chegar ao mercado 20,4 milhões de metros cúbicos (m³) por dia, em média, equivalente ao volume importado da Bolívia. A sobra de gás é maior que o volume consumido pela indústria de São Paulo. Juntas, as Regiões Sul e Sudeste usam 25 milhões de m³ por dia na indústria.

A gigantesca sobra diária é dividida em duas vertentes: 8,72 milhões de m³ são simplesmente queimados na atmosfera a cada dia. Dessa forma, some o gás retirado dos poços produtores que não tem como ser transportado para centros de consumo. Outros 11,7 milhões de m³ tiveram de ser reinjetados nos campos, seja por demanda insuficiente ou falta infraestrutura para transporte.

A gestão da produção de gás natural no Brasil é dificultada pelo fato de que 80% do gás nacional é extraído de poços produtores de petróleo. Ou seja, a Petrobrás não pode simplesmente fechar os poços, sob o risco de danos ao abastecimento nacional de óleo. Por isso, a queima de gás tende a aumentar à medida em que a Petrobrás amplia a produção de petróleo.

Os dados sobre o consumo de gás constam do último relatório do Ministério de Minas e Energia, referente ao mês de maio. A estimativa de especialistas é que o boletim de junho revele sobra ainda maior.

De acordo com a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), foram vendidos 40,6 milhões de m³ por dia em junho, ante 41,5 milhões de m³ em maio, ou seja, houve queda de 2,16% na comparação mensal.

Em relação a junho de 2008, o consumo de gás natural registrou recuo ainda maior: 19,35%. Segundo os dados da Abegás, o consumo acumulado no primeiro semestre do ano caiu 27,82% ante mesmo período de 2008. Relatório da associação obtido pela Agência Estado avalia que "mais uma vez os dados demonstram que a falta de uma política energética e o alto preço do insumo têm refletido de forma negativa no consumo".

A superoferta jogou para o nível mínimo a média de gás natural importado da Bolívia, que ficou em 21 milhões de metros cúbicos por dia nos seis primeiros meses do ano. Caso não importe todo esse gás, o contrato prevê que o Brasil pague, ao final de um ano, pelo mínimo previsto, mesmo sem consumir.

A situação hoje é completamente inversa à de dois anos atrás, quando havia risco de um novo racionamento de energia. Também é bastante distinta do cenário de dependência total do gás importado da Bolívia, em 2006, quando o presidente boliviano, Evo Morales, privatizou reservas e trouxe o temor do desabastecimento ao mercado brasileiro.

No ano passado, o consumo do gás importado no Brasil esteve próximo ou superior ao máximo contratado de 30 milhões de metros cúbicos por dia.

As causas para a inversão de cenário vieram da combinação entre queda na demanda industrial - causada pela crise - e excesso de chuvas, que encheu reservatórios de hidrelétricas e eliminou a necessidade de acionamento das usinas térmicas a gás.

"Não era possível prever um cenário como esse", diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, admitindo que a superoferta de energia vai perdurar até 2015. Para ele, a Petrobrás fica refém desse mercado porque precisa dar garantias plenas de fornecimento quando as usinas tiverem de ser acionadas. "Ela não pode sequer fechar contratos flexíveis para essa energia quando os reservatórios estão cheios."

A Agência Estado encaminhou à Petrobrás amplo questionário sobre a produção, abastecimento e sobras de gás natural no País, mas, após três semanas de espera, não obteve resposta. Para todas as perguntas, a companhia disse apenas que "não há problema de abastecimento".

Continue lendo >>

domingo, 9 de agosto de 2009

Respostas à crise: mais além de 2010

"Não perder a perspectiva é o que mais importa", não se cansa de repetir um personagem do belo La Colmena, do Prêmio Nobel de Literatura Camilo José Cela. A observação, aparentemente trivial, é relevante para o Brasil do momento, no qual o debate, tanto econômico quanto político, está dominado por questões conjunturais, cujo horizonte temporal se conta em meses, tendo o ano de 2010 como foco e as eleições presidenciais como referência.

Entre os economistas profissionais há uma importante discussão sobre a natureza e os determinantes da recuperação da economia brasileira ainda nesta segunda metade de 2009 e das perspectivas, que são bem melhores, para 2010. Entre os políticos, bem, esperemos que as cenas de baixaria explícita a que assistimos nos últimos dias não sejam o prenúncio do tom da campanha eleitoral que o governo, há muito, decidiu antecipar.

Mas, seja no econômico, seja no político, o desafio do crescimento sustentado - mais além de 2010 - permanecerá no centro do debate ao longo dos próximos meses. A obrigação de olhar para a frente, como resposta à crise global, a meu ver, representará um avanço em relação às três variantes ou ênfases tradicionais que até há pouco marcaram essa discussão. Primeiro, que nosso crescimento seria muito inferior à média de nossa experiência histórica pré-1980 (sobre a qual muitos ainda lançam idealizados e nostálgicos olhares). Segundo, que nosso crescimento estaria muito aquém de nossas reais possibilidades (por falta de suficiente "vontade política" para crescer mais). Terceiro, que era "inaceitável" que nosso crescimento estivesse muitíssimo abaixo do de países relevantes como China, Índia e outros asiáticos.

Anos atrás, participei de debate que tinha como pergunta básica: "O que faz um país desenvolvido?" A pergunta encerrava uma interessante dupla interpretação: poderia referir-se ao que faz um país em desenvolvimento se tornar um país desenvolvido; ou, também, indagar o que é hoje, faz hoje, como funciona hoje um país desenvolvido. Em resumo, a discussão evidenciou seis grandes temas que, em termos gerais, se aplicam a ambas as perguntas, porque englobam tanto o que precisa ser feito como o que faz economias hoje serem consideradas desenvolvidas econômica e socialmente.

Espero que o debate sobre o Brasil mais além de 2010 aprofunde pelo menos estes seis temas inter-relacionados. Primeiro: abertura para o resto do mundo nas dimensões comercial, financeira, investimento direto, ciência, tecnologia, cultura e inovação. Segundo: infraestrutura e logística em energia, transporte, telecomunicações, portos, rodovias, o que exige regulação apropriada, e investimentos públicos e privados. Terceiro: investimentos na melhoria da qualidade da educação, onde residem hoje as principais deficiências que comprometem nosso futuro.

Quarto: estabilidade macroeconômica e consolidação dos regimes monetário, cambial e, especialmente, fiscal; o que não é um fim em si mesmo, mas condição indispensável para o crescimento sustentado de longo prazo. Quinto: estímulo ao investimento privado e à melhoria do ambiente de negócios, o que exige estabilidade e previsibilidade das regras do jogo. Sexto: o reconhecimento de que o peso, a voz, o prestígio e a influência que um país possa ter na sua região e no mundo não é função apenas de sua dimensão, mas também, e crucialmente, da qualidade de seus investimentos, da eficiência de seus setores privado e público e da efetividade do funcionamento de suas instituições.

Na explicação do por que certos países deram mais certo que outros, esses seis conjuntos de fatores são essenciais. E sempre vale lembrar que dentre as "instituições" de um país está o conjunto de valores morais, posturas, atitudes e padrões de comportamento ético que definem o grau de confiança mútua sem a qual uma sociedade moderna não pode funcionar adequadamente.

A respeito desses valores compartilhados, vale reiterar o que já escrevi neste espaço, citando passagem de importante relatório elaborado por cerca de 20 economistas de renome internacional para o Banco Mundial: "As lideranças políticas de um país emitem poderosos sinais para o conjunto da sociedade sobre o que constituem padrões aceitáveis e padrões inaceitáveis de comportamento de homens públicos."

Vivemos tempos de excessiva complacência, relativismo moral e uso talvez um tanto exagerado daquilo que Guimarães Rosa imortalizou com seu oxímoro "condena de absolvido", como proposto por Riobaldo no julgamento que a jagunçagem faz de Zé Bebelo, em memorável passagem da obra-prima que é Grande Sertão: Veredas.

A questão de julgamentos, delitos e suas penas foi abordada de forma concisa por Cesare Beccaria em seu pequeno grande clássico, publicado em 1764 e que retém surpreendente atualidade: "O fim das penalidades não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido... (mas) impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo." Beccaria nota que a "clemência... deveria ser excluída de uma legislação perfeita, em que as penas fossem menores e o método de julgamento, regular e expedito". Isso porque, nota adiante, "mostrar aos homens que os delitos podem ser perdoados e que a pena não é uma inevitável consequência é fomentar a ilusão de impunidade, é fazer crer que as condenações não perdoadas, embora pudessem sê-lo, são antes abusos de força que emanações da justiça".

Mas, apesar de tudo, olhando o Brasil econômico e político com senso de perspectiva, tanto em relação a nosso passado quanto a nosso futuro pós-Lula, é possível discernir uma pulsão entre o moderno e o anacrônico. Acho que não é de todo insensato esperar que o primeiro possa gradualmente prevalecer sobre o segundo. E isso "é o que mais importa", como diria o personagem que abre este artigo.

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC E-mail: malan@estadao.com.br

ESTADÃO

Continue lendo >>

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Mais negligenciada

22/7/2009

Por Washington Castilhos

Agência FAPESP – A Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês) é uma organização fundada em 2003 e voltada para a produção de remédios para quatro doenças prioritárias e muitas vezes ignoradas: malária, doença do sono, leishmaniose e Chagas

A iniciativa, com sede na Suíça, é resultado da parceria de várias instituições de pesquisa e saúde do mundo, como os Médicos Sem Fronteiras, o Instituto Pasteur na França, o Conselho Médico da Índia, o Ministério da Saúde da Malásia e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil.

Para o economista belga Eric Stobbaerts, membro do DNDi, de todas as quatro a doença de Chagas é a mais negligenciada. “A doença recebeu, em 2007, apenas 0,25% do dinheiro destinado às quatro”, disse em entrevista à Agência FAPESP.

Stobbaerts foi diretor da Médicos Sem Fronteiras no Brasil entre 2007 e 2008, após ter ocupado a mesma posição na Espanha de 1998 a 2004. Fez trabalhos humanitários em conflitos militares no Líbano (1988), Afeganistão (1990 e 1991), Iraque (1991) e Bósnia (1993 a 1995).

O economista participou, na semana passada, do Simpósio Internacional do Centenário da Doença de Chagas, realizado pela Fiocruz no Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a epidemiologia da doença de Chagas, dos fatores que a fazem ocupar uma posição silenciosa no mundo e como, paradoxalmente, a chamada globalização da doença pode chamar mais atenção para ela.

Agência FAPESP – Que lugar a doença de Chagas ocupa no rol das chamadas doenças negligenciadas?
Eric Stobbaerts – É a mais negligenciada de todas. Um dos indicadores é determinado pelo dinheiro destinado à pesquisa para as doenças negligenciadas vindo das iniciativas pública e privada, que foi de US$ 2,5 bilhões em 2007. Desse montante, apenas 0,25% foi para a doença de Chagas, o que representa cerca de US$ 10 milhões, metade dos quais é aplicada em pesquisa básica. Outro indicador dessa negligência é que a probabilidade de termos um novo medicamento para a doença é baixa, uma vez que nos últimos 30 anos (de 1975 a 2005) foram desenvolvidos 1.556 medicamentos, dos quais 21 eram para as outras doenças desta lista e nenhum para Chagas.

Agência FAPESP – A que se deve essa situação?
Stobbaerts – Ao perfil do doente. Chagas é chamada de “doença silenciosa” porque atinge pacientes de populações das áreas rurais, que não têm voz e têm muito pouca consciência de seu direito ao tratamento. Há aí uma negligência social e política por parte da indústria farmacêutica, dos governos e da mídia. A doença é silenciosa porque atinge uma população silenciosa.

Agência FAPESP – A epidemiologia da doença justifica essa situação?
Stobbaerts – Esse é um outro sinal do descaso, uma vez que todos os números da doença são baseados em estimativas. Segundo fontes oficiais, a ocorrência varia de 8 milhões a 16 milhões de pessoas no mundo, essencialmente nos 21 países endêmicos latino-americanos, onde são estimadas 14 mil mortes por ano. Sabemos que muitas dessas mortes são notificadas como cardiopatias, não como resultado de Chagas. A forma mais comum é a morte súbita, ou seja, as pessoas nem sabem que têm a doença. E ainda há o risco de 100 milhões de pessoas contraírem a doença. Epidemiologicamente falando, há também um fato importante a ser considerado: atualmente, devido à crescente mobilidade das pessoas, encontramos casos nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e Europa. Está havendo uma globalização da doença. O paradigma de que Chagas é um mal latino-americano está caindo.

Agência FAPESP – Paradoxalmente, essa globalização da doença não pode atrair mais atenção para ela, fazendo com que seja menos negligenciada?
Stobbaerts – Sem dúvida, essa é uma oportunidade para a doença abandonar sua posição de doença silenciosa. Já está havendo uma preparação dos corpos médicos dos países não-endêmicos, que não estão preparados para ela. Há uma tomada de consciência mundial e tem se questionado a ausência de soluções no programa de prevenção da doença. Uma coisa é controlar o vetor, mas o que fazemos com as pessoas infectadas? Há apenas dois medicamentos desenvolvidos nos últimos anos. São tóxicos e não há um consenso médico sobre usá-los nas duas fases da doença – a aguda e a crônica. Não são eficazes, como os medicamentos antirretrovirais para a Aids, por exemplo. A diferença entre Chagas e problemas como a Aids é que as pessoas soropositivas se mobilizaram rapidamente. Para Chagas, não há sequer uma associação de doentes. O círculo do silêncio é perpetuado, mesmo depois de cem anos da descoberta da doença.

Continue lendo >>

domingo, 14 de junho de 2009

PF e MP vão à Justiça para obter documentos do Senado

Resistência em liberar dados poderá levar à segunda operação de busca e apreensão na Casa em menos de 3 anos

Leandro Colon, BRASÍLIA

A Polícia Federal e o Ministério Público já decidiram: vão recorrer ao Judiciário para conseguir os documentos do Senado com as listas das milionárias e suspeitas transações de empréstimos consignados. Um inquérito - que está sob o comando do delegado Gustavo Buquer - foi aberto no dia 13 de maio para investigar a atuação da Contact Assessoria de Crédito como intermediária em contratos de crédito consignado feitos pelos servidores e que movimentam cerca de R$ 12 milhões mensais no Senado.

Em menos de um mês, o delegado fez três ofícios (dois dos quais de reiteração) solicitando à presidência do Senado os documentos com os empréstimos feitos pelas instituições de crédito conveniadas com o Legislativo. O primeiro ofício foi enviado em 14 de maio e dava prazo de cinco dias para receber os documentos. Entre 22 de maio e 1º de junho, outros dois ofícios com prazo de mais cinco dias cada um. E também nenhuma resposta.

O delegado e o procurador Gustavo Pessanha, que também trabalha no inquérito, vão recorrer à Justiça para conseguir os documentos.

O inquérito foi aberto porque há indícios de participação do ex-diretor João Carlos Zoghbi (Recursos Humanos) num esquema de intermediação e cobrança de propina nas transações do crédito consignado por meio da Contact - a empresa tem como sócia Maria Izabel Gomes, 83 anos, ex-babá de Zoghbi que teria sido usada como laranja. A Contact recebeu pelo menos R$ 2,3 milhões do Banco Cruzeiro do Sul, uma das instituições conveniadas. Zoghbi já confessou que autorizava servidores a tomar empréstimos acima do valor permitido.

A resistência em liberar as informações, uma prática recorrente do Senado em outras áreas, pode levar o Legislativo a um constrangimento nas próximas semanas - policiais carregando computadores e vasculhando gavetas e armários atrás dos contratos com os bancos. Seria a segunda operação de busca e apreensão no Senado em menos de três anos.

Em 26 de julho de 2006, a PF realizou a Operação Mão de Obra para desmontar um esquema de fraudes em licitações envolvendo órgãos públicos e empresas terceirizadas de prestação de serviços. O Senado foi um dos alvos da ação, que pôs pela primeira vez sob suspeita o então diretor-geral, Agaciel Maia.

Para receber os documentos do novo inquérito, o delegado Buquer até já fez um apelo ao senador Romeu Tuma (PTB-SP), ex-diretor-geral da PF e uma espécie de interlocutor da polícia no Senado. Em vão. Tuma, primeiro-secretário entre 2003 e 2004, responsável pela gestão administrativa da Casa, chegou a ser acusado por Zoghbi, em entrevista à revista Época, de fraudar licitações. Ele nega.

Há duas semanas, o delegado teve acesso apenas ao inquérito da Polícia Legislativa do Senado sobre o caso do crédito consignado. Mas essa é uma investigação considerada frágil pela PF, sem elementos suficientes para um inquérito independente.

SIGILO

O advogado-geral do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello, autorizou a liberação das listas do crédito consignado e da intermediação bancária, mas a decisão final depende do comando do Senado. "É possível enviar a relação dos bancos e os números dos contratos, excluindo os nomes dos servidores, porque isso precisaria de autorização judicial de quebra de sigilo bancário", disse.

A relação dos bancos que concederam empréstimos a cerca de 4 mil servidores é fundamental para a polícia. O delegado precisa deles para cruzar com os papéis que mostram a ex-babá de Zoghbi como sócia da Contact. O Banco Cruzeiro do Sul nega a influência do ex-diretor. Outros bancos também trabalhavam em parceria com a empresa ligada a Zoghbi. Assim que receber os documentos, Buquer pedirá a quebra do sigilo fiscal e bancário de Zoghbi e família, incluindo a mulher, Denise.

"A PF tem o direito de ter acesso a todos os documentos, nem precisa ir à Justiça. Quanto aos empréstimos, trata-se de uma imputação tecnicamente falha, porque outros setores não subordinados ao ex-diretor também faziam empréstimos acima de 30% do salário dos servidores", disse Antonio Carlos de Almeida Castro, advogado de Zoghbi.

Continue lendo >>

terça-feira, 26 de maio de 2009

Petistas têm 1/5 dos cargos de confiança do governo Lula

FERNANDO BARROS DE MELLO
da Folha de S.Paulo

Cerca de 26% dos profissionais que ocupam cargos de confiança no governo Lula ou já foram ou são filiados a um partido político. Desse total, a grande maioria é de filiados ao PT, aproximadamente 80%.

Os dados fazem parte de duas pesquisas recentes feitas pelo CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da FGV, coordenadas pelas cientistas políticas Maria Celina D'Araújo e Camila Lameirão.

Em 2007, a Folha revelou que 45% da cúpula do governo era sindicalizada. Os novos indicadores mostraram poucas variações no decorrer do dois mandatos de Lula. Os sindicalizados variaram para 42,8% (mais alto do que a da média nacional de 17,7%, segundo os dados da Pnad de 2007).

Ainda na comparação entre os dois mandatos de Lula, a participação em movimentos sociais foi de 46% para 46,3% e, em organizações locais, de 23,8% para 26,8%.

"Vale destacar o incremento no pertencimento a centrais sindicais, indicando a corroboração da tese de que esta é uma instância que efetivamente está sendo fortalecida pelo governo", escreve Lameirão. O percentual de pessoas ligadas a centrais sindicais passou de 10,6% para 12,3%.

A estrutura administrativa do poder Executivo federal conta com mais de 77 mil cargos ou funções de confiança, nomeados pelo presidente, por ministros ou por autoridades competentes. Cerca de 26% desse total, mais de 20 mil pessoas, são cargos DAS (Direção e Assessoramento Superior), alvos da pesquisa.

Quanto mais alto é o cargo de confiança, mais filiados há. Os cargos de confiança analisados foram os chamados DAS-5, DAS-6 e Natureza Especial. Nos DAS-5, são 59,3% de filiados e 30,6% nos DAS-6.

A pesquisa aponta que no segundo governo Lula aumentou a participação de pessoas com experiência em cargos de direção no Executivo.

A pesquisadora Maria Celina D'Araújo também analisou os partidos que mais ocuparam cargos de ministros desde a redemocratização. Foram o PMDB (66) e o PT (52).

A professora chama a atenção para o fato de que o primeiro governo Lula foi o único em que o partido do presidente ocupou mais de 60% das pastas ministeriais (33 em 54).

Considerando todo o período desde a redemocratização, 11,5% dos ministros tinham algum vínculo com sindicatos. No atual governo Lula, o número sobe para 27%.

"Mesmo prestigiando menos os empresários em postos de mando, os governos Lula não se colocaram em confronto com os empresários. Pelo contrário. De toda a forma, aponta um compromisso político inédito com os setores organizados dos trabalhadores", diz Araújo.


Arte/Folha


Continue lendo >>

sábado, 2 de maio de 2009

O retrato de sempre

Os números do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) infelizmente não trazem qualquer novidade. A prova, que é voluntária e foi aplicada no ano passado a mais de 4 milhões de estudantes de 20.174 escolas em todo o País, apenas confirmou a falência da rede escolar pública, na qual estão matriculados cerca de 85% dos alunos desse nível de ensino.

Pelo Enem de 2008, entre as mil escolas brasileiras com as piores notas, 965 são vinculadas à rede pública estadual. Entre as mil escolas com as melhores notas, apenas 36 são colégios estaduais, 58 são escolas federais e 1 escola é municipal. Como nas edições anteriores do Enem, as escolas públicas mais bem classificadas são os centros estaduais e federais de educação tecnológica e os colégios de aplicação vinculados aos cursos de pedagogia de universidades públicas.

A melhor escola do País, o Colégio São Bento, do Rio de Janeiro, com média 33% acima da melhor escola pública, é particular e mantida por uma ordem religiosa. Para as autoridades educacionais, a liderança no ranking decorre de causas óbvias - ou seja, professores bem pagos, qualificados e motivados, instalações adequadas, bibliotecas e laboratórios atualizados e apoio familiar. "Nenhuma prova mede só a escola. Mede também o aluno, a formação dos pais e o contexto socioeconômico", diz o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Reynaldo Fernandes.

Também não causou surpresa o fato de as escolas públicas de ensino médio com as notas mais baixas se concentrarem nas regiões mais pobres, como o Nordeste. Das 50 piores escolas do País, 11 estão no Estado da Bahia, em áreas com problemas de desemprego, narcotráfico e violência familiar. Em sua grande maioria, os alunos desses colégios trabalham de dia e estudam à noite. Além disso, nem todos os professores têm formação adequada e não há docentes para as disciplinas mais técnicas.

Apesar de terem registrado um desempenho superior ao das escolas públicas, muitos colégios particulares também não se saíram bem no último Enem. Segundo o Inep, de um total de 4.475 escolas privadas, 2.724 tiveram nota abaixo da média, que ficou em 60,73 pontos.

As autoridades educacionais já esperavam esse quadro devastador. Elas alegam que, embora vários Estados tenham investido em qualificação de docentes e projetos pedagógicos, as medidas para elevar a qualidade do ensino médio demoram anos para surtir efeitos. Por ironia, o Enem de 2008 foi divulgado no momento em que o Ministério da Educação está propondo a substituição dos vestibulares por um novo Enem, alegadamente para substituir a "decoreba" pela compreensão. A ideia é usar essa avaliação para unificar os mecanismos de acesso às universidades federais.

A prova, que hoje conta com 63 questões, passaria a ter 200 perguntas de 4 áreas do conhecimento - matemática, ciências da natureza, ciências humanas e linguagem e códigos. A iniciativa é polêmica. Muitos especialistas afirmam que ela pode desfigurar de vez o ensino médio, transformando-o num grande curso preparatório para o ingresso no ensino superior.

Avaliações escolares são uma importante ferramenta para melhorar a educação, mas é preciso que as provas tenham a mesma estrutura e o mesmo nível de dificuldade para permitir que os resultados sejam comparados ano a ano. Na medida em que o MEC vai mudando o Enem e o Enade e alterando os papéis para os quais foram criados, as comparações ficam prejudicadas e as autoridades educacionais perdem o foco das medidas estruturais que precisam tomar para melhorar a qualidade do ensino básico.

Tem razão o ministro Fernando Haddad ao atribuir às desigualdades socioeconômicas entre estudantes das escolas públicas e particulares parte da responsabilidade pelos péssimos resultados das primeiras. Mas é exatamente porque a maioria dos alunos das escolas públicas não tem as condições econômicas e o apoio familiar de que dispõem os alunos das escolas particulares que o governo tem a obrigação impostergável de fazer da escola pública um instrumento de superação das desigualdades. Sem um ensino público de qualidade, não é possível romper o círculo perverso da pobreza e da ignorância.

ESTADÃO

Continue lendo >>

sábado, 18 de abril de 2009

Diversão a favor do ambiente

Cada vez mais jogos de tabuleiro e games na internet conscientizam de forma divertida sobre preservação

Lucas Frasão, especial para O Estado de S.Paulo

Cristiano, Mateus e João se preparam para uma partida de Banco Imobiliário Sustentável

Evelson de Freitas/AE

Cristiano, Mateus e João se preparam para uma partida de Banco Imobiliário Sustentável

-

SÃO PAULO - Geradores eólicos, placas solares, termelétricas. Fábricas, escolas, casas, punhados de entulho. Tudo “chove” do céu, como no Tetris, e precisa ser encaixado de maneira a construir uma cidade sustentável, cujo gráfico lembra o SimCity. Eis o cenário de apenas um de muitos games que misturam fantasia e realidade para sair do simples entretenimento e ensinar sustentabilidade. Jogos com esse perfil, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, são ainda recentes e têm pouca tradição comercial. Mas, em tempos de alarde sobre as mudanças climáticas, eles não param de aparecer.

Veja também:

especial Jogos da sustentabilidade
especial Regra complicada não tira o interesse

especial Confira especial sobre sustentabilidade

Uma das melhores referências é o City Rain (http://www.cityrainbs.com/), descrito acima, em que o jogador precisa montar uma cidade com peças que “chovem” do céu. Se priorizar indústrias e esquecer das áreas verdes, por exemplo, vai ter de se virar para alocar montanhas de entulho enviadas das nuvens. O game começou a ser desenvolvido em 2007 por estudantes brasileiros da Unesp de Bauru, que queriam se inscrever em dois concursos da Microsoft. Eles pesquisaram dados sobre sustentabilidade em sites da Organização das Nações Unidas e, depois, aplicaram o jogo em uma escola de Bauru, anotando sugestões das crianças.


O resultado foi a medalha de prata no XNA Challenge em 2008, ano em que o concurso foi criado no Brasil, e o primeiro lugar na categoria de games do Imagine Cup, com direito a premiação em Paris. Ambos os concursos, exclusivos para estudantes, tinham como tema a sustentabilidade.


Os estudantes de Bauru voltaram da França com ideias e dinheiro suficiente para abrir uma empresa, a Mother Gaia Studio, que acaba de ser inaugurada. O game completo começou a ser vendido no mês passado, por US$ 9,95, em inglês, no circuito internacional. No Brasil, o Bradesco comprou a proposta, mas mudou o nome para Cidade Sustentável. “Queríamos fazer algo inovador”, diz Túlio Soria, de 21 anos, um dos integrantes da equipe.


“Com temas sustentáveis, os estudantes pensam de maneira mais criativa”, diz Amintas Neto, gerente-geral de programas acadêmicos da Microsoft Brasil. A empresa organiza o XNA Challenge, cujo tema, em 2009, é inspirado nas Metas do Milênio da ONU. Novos talentos e games serão revelados na final desse ano, que ocorre sexta-feira que vem, em São Paulo.

O sucesso de eventos como esse é também reflexo do crescimento da indústria brasileira de games. De acordo com um estudo realizado pela Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames), o mercado nacional movimentou cerca de R$ 87,5 milhões em 2008. Só o setor de software para jogos cresceu 31% de 2007 para 2008. No mundo, segundo a Entertainment Software Association, o faturamento com jogos eletrônicos em 2007 foi de aproximadamente US$ 9,5 bilhões (cerca de R$ 21 bilhões).


Não existem dados sobre games relacionados à sustentabilidade, mas eles podem abocanhar um “grande nicho de mercado”, segundo Luiz Carlos Petry, doutor em Semiótica e Comunicação e professor de Jogos Digitais na PUC de SP.


“Um jogo conhecido que esbarra na sustentabilidade é o SimCity, no qual se pode administrar uma cidade. Mas, no geral, há outros menores, sem apelo comercial”, diz Gonzalo Frasca, doutor em Investigação de Jogos pela Universidade IT de Copenhague e diretor criativo do Powerful Robot Games, estúdio sediado no Uruguai.

“O desafio de fazer um game nesse área é grande por causa dos fatores econômicos”, explica Ben Sawyer, cofundador da Digital Mill, consultoria em tecnologia para usos alternativos de games, baseada em Maine, nos Estados Unidos, e cofundador do projeto Serious Games (http://www.seriousgames.org/). “Apesar disso, há cada vez mais jogos que cumprem o papel de ajudar pessoas a entender o desenvolvimento sustentável.”


Prova desse crescimento é a instituição Games for Change (http://www.gamesforchange.org/), que existe desde 2004 e, sob o slogan “games globais reais, impactos globais reais”, consegue reunir diversos exemplos de jogos “sérios” com alto nível de conteúdo educativo. A entidade organiza um concurso anual, que também já premiou os garotos do City Rain. A 6ª edição, em 2009, será realizada no fim de maio em Nova York.


TABULEIROS


Os jogos sustentáveis não estão só na internet e nos consoles de videogames. Estão também nos tabuleiros, como mostram algumas iniciativas no Brasil.


Um exemplo comercial é a Estrela, que lançou pouco antes do Dia das Crianças, em 2008, dois jogos com a temática da sustentabilidade. Um deles é o tradicional Banco Imobiliário, que, na versão sustentável, ganhou caixa em papel reciclado, peças de plástico feito a partir da cana-de-açúcar e nova concepção de significados. A unidade monetária foi substituída por créditos de carbono e as cartas de propriedade agora indicam reservas naturais brasileiras, como a Chapada dos Veadeiros, em Goiás.


Outro jogo é o Novo Mundo, cujo objetivo é despoluir o planeta. Para isso, é preciso percorrer o tabuleiro respondendo a 170 questões elaboradas sobre o meio ambiente.


De acordo com o diretor de marketing da Estrela, Aires Leal Fernandes, a empresa faz pesquisas para ouvir crianças e saber temas que podem ser interessantes. “A sustentabilidade é um tema muito recorrente nesses encontros”, diz ele.


Outro tabuleiro é o do Negócio Sustentável, desenvolvido pela consultora de riquezas Glória Maria Garcia Pereira, autora de livros como As Personalidades do Dinheiro (2005) e A Energia do Dinheiro (2003). Para chegar à edição atual, o jogo já incorporou palpites de pessoas em 35 diferentes países e promete uma quebra de paradigmas. Uma ideia central é que não há perdedores, por exemplo, mas há aqueles que “ganham menos”. Isso porque o jogo funciona com objetivos individuais e coletivos. E, às vezes, é preciso se unir para resolver um problema comum.


“É uma ferramenta que pode ser usada em corporações, escolas, famílias. O jogo cria condições para o cérebro criar insights”, explica Glória.


Apesar de ainda não haver previsão para ser vendido em lojas, o Negócio Sustentável tem conquistado importantes avanços. Deverá, por exemplo,integrar a grade acadêmica da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, na USP, a partir de 2010. “Será uma disciplina alternativa chamada Jogo Negócio Sustentável. Os alunos jogam e, no final, preparam artigos para discutir propostas para o século 21”, explica o professor José Roberto Kassai, responsável pela implantação do jogo.

GAMES NA REDE


Greenpeace Weather (http://www.greenpeaceweather.com.br/)
Os jogadores se tornam ciberativistas e, aliados a outros, precisam salvar o mundo das crises ambientais, em no máximo 16 rodadas. Premiado com Leão de Bronze, em Cannes. Português.

Greenpeace (www.greenpeace.org/international/fungames)
A organização hospeda nesse endereço vários games um pouco menos elaborados. No Eco Quest, por exemplo, o internauta tem de salvar espécies em extinção, como elefantes na África e os golfinhos Irrawaddy na Ásia, capturados ilegalmente. Em inglês.

Efficiencity (www.greenpeace.org.uk/efficiencity)
Desenvolvida pelo site britânico do Greenpeace, essa cidade virtual, baseada em experiências reais no Reino Unido, ensina ao internauta como um centro urbano pode ser abastecido com fontes descentralizadas de energia renovável. É um ambiente interativo com animações, textos, fotos e vídeos didáticos. Disponível para download. Em inglês.

Games for Change (http://www.gamesforchange.org/)
A entidade sugere opções de jogos ‘sérios’, agrupados em temas como meio ambiente, economia e direitos humanos. Em inglês.

Energyville (www.willyoujoinus.com/energyville)
Criado pela Chevron com base em dados do The Economist Intelligence Unit’s, o desafio desse game é gerar energia para uma cidade de 5,9 milhões de habitantes. Em inglês.

Electrocity (http://www.electrocity.co.nz/)
Criado como projeto educacional na Nova Zelândia, desafia a criar uma cidade sustentável em 150 rodadas. Você pode salvar o jogo e continuar depois. Em inglês.

City Rain (http://www.cityrainbs.com/)
Uma mistura de Tetris e SimCity, o City Rain desafia o jogador a construir uma cidade de maneira sustentável, com peças que “chovem” do ceú. Em inglês.

Formigame (www.reinventamoscaminhos.com.br/formigator)
No Formigame, desenvolvido para uma campanha da Chevrolet e sob o slogan “mudar o mundo é um trabalho de formiguinha”, o jogador, no corpo de uma formiga, precisa salvar o formigueiro, ameaçado pelo lixo na terra. Para isso, combate bitucas de cigarro e chicletes. Resgata larvas em perigo e recarrega as energias com flores. Em português.

Planet Green Game (http://www.planetgreengame.com/)
Parceria da Global Green USA com a Starbucks, propõe explorar a cidade fictícia de Evergreen, reduzindo a emissão de gás carbônico. Pontua mais quem optar por medidas mais limpas. Inglês.

Honoloko (http://honoloko.eea.europa.eu/Honoloko.html)
O jogador responde questões na Ilha de Honoloko. As decisões afetam habitantes e ambiente. Criado pela Agencia Europeia do Ambiente. Em português de Portugal.

Eco Agents (http://ecoagents.eea.europa.eu/)
Também criado pela Agência Europeia do Ambiente, o Eco Agents permite criar um avatar para responder a perguntas sobre temas como mudanças climáticas e escassez de água. O site também tem notícias e dicas ecológicas. Em inglês.

PVC Game (www.institutodopvc.org/pvcgame)
Baseado em um jogo sobre a indústria europeia do PVC, o Instituto do PVC criou esse game segundo a realidade da indústria brasileira. O internauta atua na indústria de 1987 a 2010 e precisar construir novas fábricas prestando atenção ao desenvolvimento sustentável. Em português.

Food Force (http://www.food-force.com/)
Do Programa Alimentar Mundial, da ONU, desafia o internauta a acabar com uma crise de fome em uma ilha de Sheylan, no Oceano Índico. Disponível em português.

Continue lendo >>

terça-feira, 14 de abril de 2009

Política de Privacidade

"Política de Privacidade"

"Este blog pode utilizar cookies e/ou web beacons quando um usuário tem acesso às páginas. Os cookies que podem ser utilizados associam-se (se for o caso) unicamente com o navegador de um determinado computador.
Os cookies que são utilizados neste blog podem ser instalados pelo mesmo, os quais são originados dos distintos servidores operados por este, ou a partir dos servidores de terceiros que prestam serviços e instalam cookies e/ou web beacons (por exemplo, os cookies que são empregados para prover serviços de publicidade ou certos conteúdos através dos quais o usuário visualiza a publicidade ou conteúdos em tempo pré determinados). O usuário poderá pesquisar o disco rígido de seu computador conforme instruções do próprio navegador. O Google, como fornecedor de terceiros, utiliza cookies para exibir anúncios neste site.
Com o cookie DART, o Google pode exibir anúncios para seus usuários com base nas visitas feitas a este site.
Você pode desativar o cookie DART visitando a Política de privacidade da rede de conteúdo e dos anúncios do Google.
O Usuário tem a possibilidade de configurar seu navegador para ser avisado, na tela do computador, sobre a recepção dos cookies e para impedir a sua instalação no disco rígido. As informações pertinentes a esta configuração estão disponíveis em instruções e manuais do próprio navegador".

Este blog não se responsabiliza pelo conteúdo, promessas e veracidade de informações dos banners colocados pelos seus patrocinadores. Toda a responsabilidade é dos anunciantes.

Continue lendo >>

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Vestibular - os equívocos por resolver

A proposta para mudar o vestibular está na mesa. As discussões na imprensa revelam duas tendências. De um lado, os que sugerem abortar o debate, em nome da autonomia universitária. De outro, os que já celebram, por antecipação, o fim do vestibular, como se isso fosse possível.

Há dois aspectos a considerar. O primeiro deles se refere à unificação do vestibular: o aluno prestará um único exame, num único local, e esse exame servirá para concorrer a vagas em qualquer universidade federal ou, quem sabe, pública. Seja de forma compulsória ou por consenso, esse é o modelo predominante em todos os países desenvolvidos. Apesar dos pruridos relativos ao conceito de autonomia universitária, não deverá haver dificuldades intransponíveis nessa área. A experiência do exame unificado dos mestrados em economia já abriu a picada. Se só isso vingar da proposta apresentada, esse avanço na dimensão da equidade já terá sido um grande passo. Isso também significará maior competitividade para entrar nas melhores escolas, o que contribui para a qualidade.

O segundo aspecto é mais complexo: avaliar o impacto das mudanças no ensino médio. Ao contrário do que está explícito na maioria dos comentários surgidos - as propostas apresentadas em nada mudarão o ensino médio. Vejamos a razão. A proposta veiculada pelo Ministério da Educação (MEC) sugere quatro provas. Duas serão de Português e Matemática. Até aí, tudo bem. As outras duas provas são mais problemáticas, pois se baseiam no ambíguo Enem: uma prova de ciências naturais e outra de ciências humanas. Aqui mora o perigo. Se alguém ainda tiver dúvidas: se o Enem - que chegou até a substituir o vestibular em algumas escolas - não mudou o ensino médio, por que as duas novas provas, que nele se baseiam, mudariam algo?

O Enem repousa na ideia de que conteúdos não são relevantes. Relevante seriam "competências gerais" para resolver problemas. Nada de novo, trata-se de uma ideia velha e equivocada. Até o século 18, acreditava-se que quem sabia latim e grego estava preparado para o resto. No século 19, a crença era a de que aprender xadrez desenvolvia a inteligência. E no século 21 ainda há quem acredite nessas tais habilidades gerais de resolução de problemas, independentemente do conhecimento profundo das disciplinas. Em caso de dúvida, o leitor poderá consultar qualquer manual elementar de psicologia cognitiva ou de psicometria.

As pesquisas recentes da neurociência aplicada ao estudo da aprendizagem mostram que os especialistas - ao contrário dos aprendizes - são capazes de adquirir e articular novos conhecimentos com base em extensas redes de informações montadas ao longo de anos de estudo e da lida com um determinado conjunto de conhecimentos. Prova disso é que, em todos os países desenvolvidos, o fim do ensino médio e a entrada nas universidades se dá com base em exames voltados para disciplinas. A única exceção ocorre nos Estados Unidos. Mas, mesmo lá, onde se usa o SAT - um teste de competências linguísticas fortemente relacionado com o Q.I. -, este exame evoluiu e passou a oferecer, desde 2005, testes para avaliar competências nas disciplinas específicas. Nenhum país da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) usa aferições do tipo do Enem para avaliar competências no ensino médio nem para regular a entrada no ensino superior. Em matéria de educação, mais uma vez, estamos na contramão da história.

Para quem não gosta de discussões conceituais e teóricas, há outra forma mais fácil e objetiva de avaliar se a proposta do MEC provocará alteração no ensino médio. Basta pesquisar o que pensam e como agem os representantes de boas escolas e os bons professores de ensino médio, que preparam alunos para vestibulares competitivos. Eles irão confirmar que nada mudará, da mesma forma que o Enem nada mudou. A razão é simples: para solucionar problemas é preciso conhecer a disciplina na qual vamos resolver as questões.

O Brasil teria muito a ganhar se, em vez de plantar mais jabuticabeiras, copiasse e adaptasse o que há de melhor na experiência internacional. Há lições particularmente importantes a extrair dessa experiência.

Devemos manter o exame com foco em disciplinas, e não em conceitos etéreos como os do Enem. Para avaliar competências intelectuais correlacionadas com desempenho acadêmico, melhor seria aplicar o SAT - como faz o Chile. Para avaliar competências mais amplas, inclusive a capacidade de usar conhecimento científico de forma interdisciplinar, teríamos muito a aprender com os programas de ensino médio da Inglaterra.

Outra lição consiste em limitar o número de disciplinas obrigatórias para cada aluno - tipicamente se requer no máximo de 3 a 4 exames. O máximo são 7 exames (como no International Baccalauréat), mas, nestes casos, os alunos escolhem três disciplinas principais. Nas outras fazem o teste mais fácil. Esses são os critérios adotados pelos países mais avançados, e que alimentam as melhores universidades do mundo. E nesses países, com raras exceções, o aluno cursa entre 5 e 7 disciplinas no ensino médio.

Usar este tipo de normas tornaria o ensino médio acadêmico mais desafiante, estimulante e relevante para os alunos. As escolas poderiam oferecer várias disciplinas, mas os estudantes só teriam de cursar algumas delas, o que permitiria ter foco e profundidade. É fato que tais decisões só se aplicariam ao ensino médio acadêmico, voltado para o vestibular. E, principalmente, não resolveriam todas as questões do ensino médio, que ainda está à espera de reformas mais profundas. Mas já seria um passo muito importante.

João Batista Araujo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa e Beto

ESTADÃO

Continue lendo >>

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Governo na sociedade da informação

A Sociedade da Informação resulta da disseminação da informação e do conhecimento e da aceleração dos processos de aprendizagem e produção decorrentes do uso intenso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), que decorrem da avassaladora evolução dessas tecnologias nos tempos recentes. Os países que se destacam atualmente pelo alto grau de qualidade e modernidade de governança democrática são os que melhor aproveitam as TIC para o aperfeiçoamento da administração pública, especialmente quando utilizadas para a prestação de serviços e o relacionamento com a sociedade.

As TIC são poderosas ferramentas para aperfeiçoar a governança pública, ampliar a inclusão social pela inclusão digital, propiciar a acessibilidade dos cidadãos aos serviços públicos, facilitar os processos de aprendizagem, tornar mais eficazes as políticas de saúde, implementar novos recursos de segurança, fomentar a disseminação do conhecimento e reduzir os custos para o Estado e os preços e gastos para a população. Propiciam ainda ao administrador público maior transparência no exercício de suas funções, trazendo inquestionáveis benefícios aos cidadãos, que passam a ter mais conforto e confiança no relacionamento com as instituições públicas.

Contudo, para que se aproveite todo o potencial tecnológico disponível e sejam atingidos os objetivos pretendidos, é imprescindível que se faça uma profunda reformulação nos métodos de gestão pública, pela qual os processos burocráticos anacrônicos venham a ser substituídos por outros compatíveis com os avanços proporcionados pelas TIC, disponibilizando uma nova geração de sistemas e aplicativos para provimento de serviços à sociedade.

Iniciativas como por exemplo o Poupatempo, em São Paulo, o Uai, em Minas Gerais e outras unidades integradas de atendimento ao cidadão, existentes em alguns outros Estados da Federação, precisam avançar nas suas concepções originais para permitir que o cidadão passe a interagir diretamente com os órgãos ou as entidades prestadores dos serviços sem necessidade da intermediação de atendentes.

Da mesma forma que os bancos "colocaram" suas agências "dentro" das nossas casas e empresas, possibilitando que efetuemos diretamente nossas transações, por intermédio da internet ou da telefonia, os governos, em todos os níveis - federal, estadual e municipal -, podem e devem oferecer aos cidadãos, nos seus locais de trabalho ou nas suas residências, os mais variados serviços públicos. A exemplo da Receita Federal, que propicia a "entrega" da Declaração do Imposto de Renda utilizando recursos de telefonia ou internet, muitos outros serviços de governo precisam ser disponibilizados através de meios de comunicações.

Os exemplos dos bancos e da Receita Federal, a que podemos incorporar o da votação eletrônica, em que o Brasil se tornou uma referência mundial, ressaltam uma característica que é comum aos casos de sucesso observados no mundo: as instituições condutoras do processo (bancos, Receita Federal e Tribunal Superior Eleitoral) concentraram seus profissionais e recursos de TI na concepção e no desenvolvimento, diretamente ou por terceiros, dos aplicativos - os softwares -, deixando que as empresas de telecomunicações provessem as redes ou recursos necessários para as conexões e o transporte das informações. Essa é a grande mudança de enfoque que o mundo vem utilizando, nos anos recentes, para disseminar o uso das TIC, com foco na prestação de serviços à sociedade.

Numa comparação singela, as vias de comunicações funcionam de forma idêntica às vias públicas (estradas, avenidas, ruas etc.). A importância dessas vias é medida pela quantidade de riqueza (monetária, cultural, social) que por elas trafega. De nada adianta uma gigantesca estrada se não houver o que conduzir por ela. Por outro lado, à medida que mais tráfego - mais riqueza - cursa pela via, mais ampla e sofisticada ela naturalmente se torna.

Assim são as infovias (vias onde circulam informações). Há que se definir as regras e características básicas essenciais a serem observadas, para que todas se interliguem entre si, e promover o desenvolvimento dos aplicativos e serviços que permitam levar o Estado ao cidadão, onde esse estiver. Muitos países já se lançaram na busca dessas conquistas, com ações muito bem sucedidas, como o Canadá, que atingiu, com a implantação do programa de governo eletrônico Government Online (GOL), entre 1999 e 2006, uma das maiores taxas de inclusão digital, tornando-se um governo inteiramente conectado com seus cidadãos. Outro exemplo de destaque ocorreu no Reino Unido, também nos primeiros anos desta década, que passou a disponibilizar aos súditos da rainha mais de cinco centenas de serviços aos britânicos, acessados por internet, telefones fixos ou móveis.

No Brasil já há projetos em andamento que expressam a visão de que mais importante que a infraestrutura, que pode ser provida por diversas empresas, é utilizar a inteligência das equipes de governo das áreas de Tecnologia de Informação para o desenvolvimento e gerenciamento de aplicativos que possibilitam a prestação de serviços de governo à sociedade, por meio das diferentes redes de comunicações.

Os governos de São Paulo e de Minas Gerais, por exemplo, assumiram uma posição clara e firme nesse sentido e, certamente, em poucos anos, paulistas e mineiros terão em suas casas e empresas a presença permanente do governo, ofertando por telefone ou internet uma gama enorme de serviços hoje oferecidos apenas de forma presencial nos pontos de atendimento. Será um grande passo para a conquista maior da sociedade, em que o Estado é que vai ao encontro do cidadão, e não o cidadão que sai em busca do Estado.

Renato Navarro Guerreiro, engenheiro de telecomunicações, sócio da Guerreiro Consult, foi presidente da Anatel de novembro de 1997 a março de 2002. E-mail: renato.guerreiro@guerreiroconsult.com

ESTADÃO

Continue lendo >>

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Contra fatos não pode haver conjecturas

Quis Deus Nosso Senhor que este artigo fosse publicado aqui em 1º de abril, o dia da mentira, no qual, desde eras imemoriais, pregam-se peças e se dão sustos em amigos, abandonando-se os rígidos cânones da verdade absoluta. Não cabe a este limitado e inculto cronista de costumes políticos invadir aqui nem a seara antropológica de Roberto DaMatta nem a área psicanalítica do terapeuta Flávio Gikovate, entrevistado por Sonia Racy para o Caderno 2 de anteontem. A mentira, lembrou este, é "um óbvio sinal de inteligência da criança". E, da mesma forma como pode ser uma demonstração de mau caráter de alguém que a utiliza para se dar bem, levar vantagem, como rezava a Lei de Gérson, também tem um lado bom. A chamada "mentira piedosa" facilita tudo, porque "as pessoas não gostam de ouvir a verdade", disse Gikovate.

Os anglo-saxões têm obsessão pela verdade, certamente porque a prosperidade de uma sociedade depende do cumprimento dos compromissos pelos contratantes. Sem dúvida, um dos índices mais reveladores da higidez de uma economia é o da inadimplência: quanto mais alto este for, menos confiável aquela é. Nós, latinos, somos mais compassivos com quem mente ou com quem deixa de honrar um compromisso, até por nos considerarmos mais ladinos. A mentira pode ser um "instrumento da inteligência humana", como explicou o psiquiatra ouvido por Sonia. Mas isso só se aplica à vida privada, nunca à vida pública, que deve primar mais pela transparência que pela cortesia. Sem hipocrisia não há relações sociais, mas, aplicada na gestão pública, ela provoca desastres. Autor e leitor seriam hipócritas, contudo, se não reconhecessem que a prática política desmente e desmonta essa teoria a cada segundo. O cidadão está condenado a ouvir mais mentiras de seus representantes ou governantes que de seus cônjuges.

Mais nefasta que a negação da verdade - admitida em forma de silêncio como elemento de defesa no Direito, desde sempre (é clássico o conceito de que ninguém é obrigado a confessar a verdade, se isso lhe for prejudicial num processo) - pode ser a verdade pela metade. A chamada meia-verdade tem sempre o efeito maléfico de uma mentira e meia. Pois esse estratagema de se apropriar de parte de um fato para convencer ou prejudicar outrem, de maneira maquiavélica, produz efeitos mais danosos à vítima que o impacto da grosseria de uma verdade dita de forma abrupta e em hora imprópria e também que uma maledicência cheia de veneno.

Pior ainda que a meia-verdade é a conjectura - alguém imputar a outrem algo que pensa que fez (ou até sabe que não fez) para tirar vantagem disso. A difamação pela conjectura é uma velha tática política de desqualificação do adversário para lhe tomar o poder, subjugá-lo e, por fim, esmagá-lo. Mestre consagrado nessa arte foi Josef Stalin, que conseguiu a proeza de fazer com que, em nome de ideais comuns, antigos companheiros, tornados desafetos nas disputas internas pelo controle do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), confessassem crimes que não cometeram, mas lhes foram atribuídos pelo tirano.

A prática stalinista da submissão do oposto por sua difamação tem sido usada com frequência em nosso país. O procurador Luiz Francisco de Souza ganhou o apelido do frade queimador de bruxas da Inquisição Torquemada pela devoção com que se dedicava à destruição de reputações, inspirando-se mais nas próprias convicções ideológicas que nos fatos. Hoje seu nome repousa em merecido ostracismo, mas o santo ofício a que se dedicou ainda tem seus prosélitos. Conjecturas motivaram as denúncias de "corrupção grossa" de ilustres próceres do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) contra a cúpula das telecomunicações no governo federal tucano. Quem nelas se inspirou mereceu críticas certeiras do juiz federal que absolveu os responsáveis pela privatização das telefônicas, porque nunca se esforçaram para provar o que delataram. Apesar da sentença histórica, também não faltaram expressões condicionais no relatório do delegado Protógenes Queiroz sobre as práticas heterodoxas do banqueiro Daniel Dantas.

Protógenes foi afastado da investigação, mas pode ser que não tenha sido um caso isolado na Polícia Federal, a julgar pela decisão da desembargadora Cecília Mello, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª região, de mandar soltar sete presos - cinco diretores e duas secretárias da empreiteira Camargo Corrêa. Sem medo de contrariar os "idiotas da objetividade", que estão sempre prontos para conjecturar sobre a suspeição das decisões da Justiça de mandar soltar protagonistas das espetaculares operações da Polícia Federal, ela teve o cuidado de pinçar da sentença do juiz Fausto De Sanctis (o mesmo que condenou Daniel Dantas à prisão) o uso exagerado de verbos, advérbios e adjetivos condicionais em frases que exigiam substantivos afirmativos: "teriam sido; supostas; poderia estar havendo; poderia; suposto; eventual..."

O despacho com que a desembargadora concedeu o habeas corpus aos acusados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, com prisão ordenada pelo juiz, não os exime preliminarmente de culpa. Ela apenas, no cumprimento estrito de sua função judicante, exigiu tanto dos investigadores quanto dos promotores que apresentassem provas, e não meras hipóteses. Não cabe aqui discutir se os presos cometeram ou não delitos, mas, sim, lhes garantir o mesmo benefício da dúvida pelo qual o presidente Lula tanto se bate quando se trata de julgar e prender os réus do "mensalão", por exemplo. Se cometeram crimes, têm de responder por eles. Cabe aos policiais e aos promotores investigá-los e mandar fatos, e não conjecturas, para a Justiça resolver se deve puni-los com penas proporcionais aos delitos comprovados.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

ESTADÃO

Continue lendo >>

domingo, 15 de março de 2009

Sou o guru de Protógenes

Protógenes Queiroz é a Glória Perez da espionagem nacional. É o "Slum-dog Millionaire" da PF – e bota "Millionaire" nisso. Ele sempre dá um jeito de citar Mahatma Gandhi. Ele sempre dá um jeito de usar um termo hinduísta. Se é assim, minha coluna, neste cantinho de página, é seu retiro indiano, é seu ashram. E eu tenho de ser considerado o seu Sathya Sai Baba. O seu guru.

Na última semana, o conteúdo do computador de Protógenes Queiroz foi encaminhado à CPI dos Grampos. Nele, há um documento intitulado "Análise de dados de fontes abertas". Tem 43 páginas, seis das quais dedicadas a mim. Quantas linhas sobre meus relacionamentos amorosos? Zero. Quantas linhas sobre meu talento para os negócios? Zero. No documento de Protógenes Queiroz, sou tratado cerimoniosamente: como um guia, como um mestre, como um preceptor. De fato, ele resume detalhadamente meus artigos, reunidos no livro Lula É Minha Anta, e recomenda seguir meus passos na denúncia da cumplicidade entre Daniel Dantas e os mensaleiros.

Alguns dias atrás, durante um jantar em sua homenagem, Protógenes Queiroz declarou o seguinte: "O Brasil progrediria 100 anos se fizesse o impeachment de Lula". Cem anos é demais. É superestimar o papel de Lula na história nacional. Quem sabe 100 dias. Ou 100 horas. Mas Protógenes Queiroz acolheu meus ensinamentos e repete obedientemente meu antigo mantra – impeachment, impeachment, impeachment –, que já caiu em desuso. Sobramos apenas nós dois nessa Mumbai institucional: Protógenes Queiroz e eu.

A CPI dos Grampos recebeu outro documento do computador de Protógenes Queiroz. É aquele que escarafuncha a intimidade de Dilma Rousseff. Está armazenado na pasta "Zeca Diabo", o nome dado por ele a José Dirceu. Trata-se de um relatório clandestino, que parece reproduzir um diálogo entre um informante do delegado e alguém com acesso ao ambiente da ministra. Dilma Rousseff é associada a dois nomes. O primeiro nunca dependeu dela para fazer carreira, por isso tenho de calar o bico. O segundo – Valter Cardeal – é mais constrangedor. Em 2003, ele foi nomeado por Dilma Rousseff para a diretoria da Eletrobrás. No mesmo período, tornou-se presidente do conselho da CGTEE e da Eletronorte. Em 2006, ganhou o cargo de presidente da Eletrobrás. Sempre na esteira de Dilma Rousseff. No ano seguinte, foi acusado de envolvimento com o esquema de propinas da Gautama, depois de ser grampeado pela PF. Sim: ele foi grampeado. Sim: pela PF.

Protógenes Queiroz tem de responder a duas perguntas na CPI dos Grampos. Primeira: quem é o autor do relatório sobre Dilma Rousseff? Segunda: o que ele pretendia fazer com isso? Namastê.

Diogo Mainardi, Veja

Continue lendo >>

terça-feira, 10 de março de 2009

O orçamento em perigo

A crise econômica chegou ao Tesouro Nacional, derrubando a arrecadação de impostos e contribuições, mas o governo ainda não sabe como ajustar suas contas à nova realidade. Em janeiro e fevereiro, a receita ficou 12,2% abaixo do valor previsto no orçamento, segundo informações exclusivas divulgadas ontem no Estado. A perda resultou não só do corte do imposto sobre os automóveis, destinado a animar os consumidores a ir às compras, mas também da redução da atividade na indústria e no comércio. A produção industrial de janeiro foi 17,2% menor que a de um ano antes e só ultrapassou a de dezembro porque no fim do ano as fábricas de veículos estavam praticamente paradas. Técnicos federais estimam para o ano uma perda acumulada de receita de R$ 40 bilhões, se a economia reagir no segundo semestre. Na pior hipótese, o governo poderá recolher R$ 64 bilhões a menos que o programado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reiteraram várias vezes, desde o começo do ano, a aposta num crescimento econômico próximo de 4% em 2009. No segundo semestre do ano passado a projeção oficial ainda era de 4,5%.

O orçamento aprovado no Congresso, no fim de 2008, saiu com uma estimativa de crescimento de 3,5%, menos otimista que a do Palácio do Planalto, mas ainda considerada excessiva por muitos analistas. Desde a sanção da lei orçamentária pelo presidente Lula os cálculos produzidos no mercado financeiro e nas consultorias econômicas foram revistos várias vezes, sempre para menos. Essas previsões são coletadas semanalmente pelo Banco Central (BC), por meio da pesquisa Focus. Se a previsão divulgada ontem estiver correta, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá neste ano apenas 1,2%. Há quatro semanas projetava-se uma expansão de 1,7%. E isso não é tudo. Os economistas de bancos e consultorias agora estimam para a produção industrial uma contração de 0,04% (mediana das projeções).

Em outras palavras, a principal fonte de dinamismo da economia brasileira terá um péssimo desempenho, segundo os cálculos correntes no mercado. Mesmo que o resultado final seja melhor que o previsto, 2009 será sem dúvida um ano excepcionalmente difícil e o governo não se preparou para isso.

O presidente e o ministro da Fazenda reafirmam quase todo dia a disposição de investir em obras para animar a economia. Também repetem a promessa de manter os gastos sociais. Mas não explicam como poderão fazê-lo num período de arrecadação muito magra. Mas o problema não decorre só da incerteza quanto à receita fiscal de 2009. O governo terá muita dificuldade para remanejar orçamento. Se tivesse condições de fazê-lo, poderia reforçar as despesas mais produtivas e com maior potencial de criação de empregos. Seu espaço de ação é no entanto muito limitado, porque o presidente da República repetiu, em 2008, as bem conhecidas imprudências de sua administração. Elevou os gastos com o funcionalismo e comprometeu-se com mais um grande aumento do salário mínimo, desta vez de 12%. O novo mínimo de R$ 465 imporá ao governo federal gastos adicionais de R$ 8,5 bilhões neste ano, principalmente pelo impacto nas contas da Previdência.

A receita do primeiro bimestre ficou cerca de R$ 11 bilhões abaixo do estimado para o período. Se a economia brasileira for tão mal quanto indicam as projeções da pesquisa Focus, o governo terá muita dificuldade para obter o superávit primário programado para o pagamento de juros. De fato, terá de reduzir muito esse resultado para evitar uma grave paralisia de suas atividades. Sua alternativa seria fazer um enorme esforço em busca de eficiência, adiando contratações, evitando a reposição de pessoal e remanejando o máximo possível de despesas. Isso exigiria uma competência administrativa e uma disposição política nunca demonstradas pelo governo do PT.

Com a crise, aumentam as pressões para uma rápida redução de juros. Isso permitiria, argumenta-se, uma grande economia nos gastos com a dívida pública. Mas a função básica da política monetária é evitar a inflação. Se a condição dos preços for considerada segura, o Comitê de Política Monetária poderá cortar os juros mais velozmente, para facilitar a reativação dos negócios e deter o desemprego. Mas não é seu papel socorrer o Tesouro Nacional comprometido pela imprudência de um Executivo gastador.

ESTADÃO

Continue lendo >>

POLÍTICA DE PRIVACIDADE

  ©Template by Dicas Blogger.

TOPO