quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Crise Brasil-Itália

Nem o mais fantasioso dos profetas de fim de ano teria prognosticado, para este início de 2009, uma crise do Brasil com um país europeu - e muito menos com a Itália, país ao qual estamos ligados por laços profundos, pelo tamanho e importância da imigração italiana em nosso território, e com o qual só tivemos conflito ao tempo do fascismo, na 2ª Guerra. Mais chocante é a façanha negativa do governo brasileiro pelo fato de termos conseguido criar essa crise sem que houvesse qualquer choque de interesses, exclusivamente, com a "defesa" de um italiano condenado pela justiça de seu país por quatro assassinatos, cuja extradição temos negado.

Ao anunciar que está convocando de volta a Roma o seu embaixador em Brasília, Michele Valensise - diante da decisão do Brasil de dar status de refugiado político ao ex-terrorista Cesare Battisti -, o governo italiano assinala, em linguagem diplomática, o agravamento da crise entre os dois países. Embora ainda não se trate do afastamento definitivo do embaixador, sinaliza o governo italiano sua profunda contrariedade e a repercussão que o caso está tendo - não só na Itália, diríamos. E nada indica que a Itália venha a acomodar-se a uma situação que lhe causou grande irritação, o que é fácil de entender, visto que, ao contestar até a legitimidade do processo a que foi submetido Cesare Battisti em seu país - conforme a argumentação usada pelo ministro Tarso Genro, ao conceder status de refugiado ao criminoso -, o Brasil desqualificava a própria Justiça italiana, tratando-a como se estivesse agindo em defesa do interesse de uma ditadura.

Lembre-se, a propósito, que o devido processo legal pelo qual passou Battisti na Itália foi validado por uma instância supranacional de Justiça, a saber, a Corte Europeia de Direitos Humanos (de Estrasburgo). Lembre-se também que o ministro Genro enfatizou o item X de nossa Constituição, que, nas relações internacionais do Brasil, prevê a "concessão de asilo político", mas deixou de atentar para o item VIII do mesmo artigo, que estabelece "repúdio ao terrorismo". E, especialmente, não levou em conta o Estatuto dos Refugiados (Lei 9.474 de 22 de julho de 1997) que, no artigo 3, exclui, da condição de refugiado o participante de atos terroristas.

A decisão do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, de solicitar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a extinção do processo de extradição, quando anteriormente tinha dado parecer favorável a esta - o que pode ter precipitado a retirada do embaixador italiano -, prende-se a uma interpretação formalista da questão, já que o ministro da Justiça concedeu ao réu o status de refugiado, tinha competência funcional para fazê-lo e isso, por si, extinguiria o processo de extradição. Mas o procurador-geral também deixou consignado que, se o Supremo decidir não extinguir o processo, seu parecer anterior (pela extradição) terá plena validade. Na há como deixar de ver, na aparente contradição, uma típica filigrana jurídica - do que, aliás, nosso ordenamento está repleto. De qualquer forma isso é questão a ser resolvida na mais alta Corte de Justiça do País. Mas não se pense que a decisão do Supremo resolverá nossa crise com a Itália - se é que não a agravará.

Ainda não são previsíveis os próximos passos do governo italiano, tendo em vista reverter uma posição brasileira que lhe é extremamente incômoda - para dizer o mínimo. O chanceler da Itália, Franco Fratini, pretende chegar ao Brasil na próxima semana, para reivindicar junto ao STF a concessão de extradição a Cesare Battisti. Supõe-se que, se o governo brasileiro não recuar - e tudo indica que não recuará -, a Itália articulará formas de represálias contra o Brasil, em entidades e reuniões multilaterais - tais como o G-8, que por sinal a Itália está presidindo, e o G-20. Certamente debates se sucederão e o Brasil defenderá sua posição. Agora, em termos de coerência de argumentação, difícil será, para a diplomacia brasileira, fixar-se na valorização do "direito de asilo", depois do que fez nosso governo com os pugilistas cubanos. Pois a estes o Brasil negou asilo, devolvendo-os, com inusitada rapidez, ao país cuja repressão política justificaria, de pleno, o asilo solicitado.

ESTADÃO

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