terça-feira, 11 de agosto de 2009

Brasil tem a maior perda de gás da história

País queima ou reinjeta mais gás do que é consumido pela indústria de SP

Kelly Lima

O Brasil tem em 2009 a maior sobra de gás natural de sua história. No total, deixaram de chegar ao mercado 20,4 milhões de metros cúbicos (m³) por dia, em média, equivalente ao volume importado da Bolívia. A sobra de gás é maior que o volume consumido pela indústria de São Paulo. Juntas, as Regiões Sul e Sudeste usam 25 milhões de m³ por dia na indústria.

A gigantesca sobra diária é dividida em duas vertentes: 8,72 milhões de m³ são simplesmente queimados na atmosfera a cada dia. Dessa forma, some o gás retirado dos poços produtores que não tem como ser transportado para centros de consumo. Outros 11,7 milhões de m³ tiveram de ser reinjetados nos campos, seja por demanda insuficiente ou falta infraestrutura para transporte.

A gestão da produção de gás natural no Brasil é dificultada pelo fato de que 80% do gás nacional é extraído de poços produtores de petróleo. Ou seja, a Petrobrás não pode simplesmente fechar os poços, sob o risco de danos ao abastecimento nacional de óleo. Por isso, a queima de gás tende a aumentar à medida em que a Petrobrás amplia a produção de petróleo.

Os dados sobre o consumo de gás constam do último relatório do Ministério de Minas e Energia, referente ao mês de maio. A estimativa de especialistas é que o boletim de junho revele sobra ainda maior.

De acordo com a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), foram vendidos 40,6 milhões de m³ por dia em junho, ante 41,5 milhões de m³ em maio, ou seja, houve queda de 2,16% na comparação mensal.

Em relação a junho de 2008, o consumo de gás natural registrou recuo ainda maior: 19,35%. Segundo os dados da Abegás, o consumo acumulado no primeiro semestre do ano caiu 27,82% ante mesmo período de 2008. Relatório da associação obtido pela Agência Estado avalia que "mais uma vez os dados demonstram que a falta de uma política energética e o alto preço do insumo têm refletido de forma negativa no consumo".

A superoferta jogou para o nível mínimo a média de gás natural importado da Bolívia, que ficou em 21 milhões de metros cúbicos por dia nos seis primeiros meses do ano. Caso não importe todo esse gás, o contrato prevê que o Brasil pague, ao final de um ano, pelo mínimo previsto, mesmo sem consumir.

A situação hoje é completamente inversa à de dois anos atrás, quando havia risco de um novo racionamento de energia. Também é bastante distinta do cenário de dependência total do gás importado da Bolívia, em 2006, quando o presidente boliviano, Evo Morales, privatizou reservas e trouxe o temor do desabastecimento ao mercado brasileiro.

No ano passado, o consumo do gás importado no Brasil esteve próximo ou superior ao máximo contratado de 30 milhões de metros cúbicos por dia.

As causas para a inversão de cenário vieram da combinação entre queda na demanda industrial - causada pela crise - e excesso de chuvas, que encheu reservatórios de hidrelétricas e eliminou a necessidade de acionamento das usinas térmicas a gás.

"Não era possível prever um cenário como esse", diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, admitindo que a superoferta de energia vai perdurar até 2015. Para ele, a Petrobrás fica refém desse mercado porque precisa dar garantias plenas de fornecimento quando as usinas tiverem de ser acionadas. "Ela não pode sequer fechar contratos flexíveis para essa energia quando os reservatórios estão cheios."

A Agência Estado encaminhou à Petrobrás amplo questionário sobre a produção, abastecimento e sobras de gás natural no País, mas, após três semanas de espera, não obteve resposta. Para todas as perguntas, a companhia disse apenas que "não há problema de abastecimento".

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domingo, 9 de agosto de 2009

Respostas à crise: mais além de 2010

"Não perder a perspectiva é o que mais importa", não se cansa de repetir um personagem do belo La Colmena, do Prêmio Nobel de Literatura Camilo José Cela. A observação, aparentemente trivial, é relevante para o Brasil do momento, no qual o debate, tanto econômico quanto político, está dominado por questões conjunturais, cujo horizonte temporal se conta em meses, tendo o ano de 2010 como foco e as eleições presidenciais como referência.

Entre os economistas profissionais há uma importante discussão sobre a natureza e os determinantes da recuperação da economia brasileira ainda nesta segunda metade de 2009 e das perspectivas, que são bem melhores, para 2010. Entre os políticos, bem, esperemos que as cenas de baixaria explícita a que assistimos nos últimos dias não sejam o prenúncio do tom da campanha eleitoral que o governo, há muito, decidiu antecipar.

Mas, seja no econômico, seja no político, o desafio do crescimento sustentado - mais além de 2010 - permanecerá no centro do debate ao longo dos próximos meses. A obrigação de olhar para a frente, como resposta à crise global, a meu ver, representará um avanço em relação às três variantes ou ênfases tradicionais que até há pouco marcaram essa discussão. Primeiro, que nosso crescimento seria muito inferior à média de nossa experiência histórica pré-1980 (sobre a qual muitos ainda lançam idealizados e nostálgicos olhares). Segundo, que nosso crescimento estaria muito aquém de nossas reais possibilidades (por falta de suficiente "vontade política" para crescer mais). Terceiro, que era "inaceitável" que nosso crescimento estivesse muitíssimo abaixo do de países relevantes como China, Índia e outros asiáticos.

Anos atrás, participei de debate que tinha como pergunta básica: "O que faz um país desenvolvido?" A pergunta encerrava uma interessante dupla interpretação: poderia referir-se ao que faz um país em desenvolvimento se tornar um país desenvolvido; ou, também, indagar o que é hoje, faz hoje, como funciona hoje um país desenvolvido. Em resumo, a discussão evidenciou seis grandes temas que, em termos gerais, se aplicam a ambas as perguntas, porque englobam tanto o que precisa ser feito como o que faz economias hoje serem consideradas desenvolvidas econômica e socialmente.

Espero que o debate sobre o Brasil mais além de 2010 aprofunde pelo menos estes seis temas inter-relacionados. Primeiro: abertura para o resto do mundo nas dimensões comercial, financeira, investimento direto, ciência, tecnologia, cultura e inovação. Segundo: infraestrutura e logística em energia, transporte, telecomunicações, portos, rodovias, o que exige regulação apropriada, e investimentos públicos e privados. Terceiro: investimentos na melhoria da qualidade da educação, onde residem hoje as principais deficiências que comprometem nosso futuro.

Quarto: estabilidade macroeconômica e consolidação dos regimes monetário, cambial e, especialmente, fiscal; o que não é um fim em si mesmo, mas condição indispensável para o crescimento sustentado de longo prazo. Quinto: estímulo ao investimento privado e à melhoria do ambiente de negócios, o que exige estabilidade e previsibilidade das regras do jogo. Sexto: o reconhecimento de que o peso, a voz, o prestígio e a influência que um país possa ter na sua região e no mundo não é função apenas de sua dimensão, mas também, e crucialmente, da qualidade de seus investimentos, da eficiência de seus setores privado e público e da efetividade do funcionamento de suas instituições.

Na explicação do por que certos países deram mais certo que outros, esses seis conjuntos de fatores são essenciais. E sempre vale lembrar que dentre as "instituições" de um país está o conjunto de valores morais, posturas, atitudes e padrões de comportamento ético que definem o grau de confiança mútua sem a qual uma sociedade moderna não pode funcionar adequadamente.

A respeito desses valores compartilhados, vale reiterar o que já escrevi neste espaço, citando passagem de importante relatório elaborado por cerca de 20 economistas de renome internacional para o Banco Mundial: "As lideranças políticas de um país emitem poderosos sinais para o conjunto da sociedade sobre o que constituem padrões aceitáveis e padrões inaceitáveis de comportamento de homens públicos."

Vivemos tempos de excessiva complacência, relativismo moral e uso talvez um tanto exagerado daquilo que Guimarães Rosa imortalizou com seu oxímoro "condena de absolvido", como proposto por Riobaldo no julgamento que a jagunçagem faz de Zé Bebelo, em memorável passagem da obra-prima que é Grande Sertão: Veredas.

A questão de julgamentos, delitos e suas penas foi abordada de forma concisa por Cesare Beccaria em seu pequeno grande clássico, publicado em 1764 e que retém surpreendente atualidade: "O fim das penalidades não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido... (mas) impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo." Beccaria nota que a "clemência... deveria ser excluída de uma legislação perfeita, em que as penas fossem menores e o método de julgamento, regular e expedito". Isso porque, nota adiante, "mostrar aos homens que os delitos podem ser perdoados e que a pena não é uma inevitável consequência é fomentar a ilusão de impunidade, é fazer crer que as condenações não perdoadas, embora pudessem sê-lo, são antes abusos de força que emanações da justiça".

Mas, apesar de tudo, olhando o Brasil econômico e político com senso de perspectiva, tanto em relação a nosso passado quanto a nosso futuro pós-Lula, é possível discernir uma pulsão entre o moderno e o anacrônico. Acho que não é de todo insensato esperar que o primeiro possa gradualmente prevalecer sobre o segundo. E isso "é o que mais importa", como diria o personagem que abre este artigo.

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC E-mail: malan@estadao.com.br

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