domingo, 28 de novembro de 2010

Nova etapa do Projeto Tietê

O Estado de S.Paulo

O governador Alberto Goldman assinou seis contratos, no valor de R$ 728,1 milhões, para o início das obras da terceira etapa do Projeto Tietê. Até 2015, será investido US$ 1,05 bilhão em coleta e tratamento de esgoto para melhorar as condições ambientais da Bacia do Alto Tietê. As obras elevarão o índice de coleta de esgoto de 84% para 87% e o de esgoto tratado de 70% para 84%. Será beneficiado mais de 1,5 milhão de pessoas com a coleta e outros 3 milhões com o tratamento de esgoto.

Hoje, dos 15 milhões de habitantes da região metropolitana, 11 milhões já dispõem de coleta, e mais de 7 milhões contam com esgoto tratado. Com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na terceira fase do Projeto Tietê as estações de tratamento terão capacidade ampliada em 40%, serão construídos 580 quilômetros de coletores e interceptores, 1.250 quilômetros de redes coletoras e realizadas 200 mil ligações domiciliares.

Esse último item é de grande importância para que se alcancem os objetivos do Projeto Tietê. Milhares de consumidores se recusam a realizar as ligações das redes domésticas à pública, porque não querem pagar pelo serviço de coleta e tratamento de esgoto. Livrar-se do esgoto, despejando-o irregularmente em galerias de águas pluviais, córregos ou rios, ainda é prática comum, mesmo em bairros nobres das cidades da Grande São Paulo.

O lago do Parque do Ibirapuera, por exemplo, teve seu índice de poluição muito aumentado pelo despejo irregular de esgoto vindo das caras e sofisticadas moradias vizinhas.

Entre as obras que constam do pacote de construções autorizadas pelo governador está também a da instalação de um interceptor entre a Ponte Estaiada e o Parque Burle Marx. Ele permitirá que deixem de ser lançados 450 litros de esgoto por segundo no Rio Pinheiros, beneficiando pelo menos 320 mil habitantes da região.

Nas periferias e bairros degradados da região metropolitana, o esgoto corre a céu aberto, por entre submoradias, até os cursos d"água próximos. Deságuam no Tietê 165 córregos e rios, o que torna fundamentais os planos de remoção das populações de áreas ocupadas, ou de sua urbanização.

Enquanto isso não ocorre, é vital para a recuperação do Tietê fazer cumprir as leis nos bairros onde os proprietários estão regularizados e têm condições de pagar pelos serviços de coleta e tratamento de esgoto. De acordo com as estatísticas mais recentes da Sabesp, divulgadas há dois anos, havia então 18 mil ligações clandestinas identificadas na capital.

Seria muito importante que as prefeituras, a quem compete a fiscalização do cumprimento das leis que exigem a realização das ligações das redes domésticas à pública, apoiassem o governo estadual na luta pela limpeza do Tietê. Conscientizar os proprietários de imóveis, vistoriar a execução das ligações e punir quem teima em manter o despejo irregular são ações de competência local que podem contribuir significativamente para o esforço que vem sendo realizado há 18 anos pelo governo do Estado. Campanhas educativas deveriam ser feitas para alertar a população sobre os riscos do descarte nas ruas de lixo que a água das chuvas leva para córregos e rios.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) já investiu US$ 1,6 bilhão nas duas primeiras etapas do Projeto Tietê. Entre 1992 e 1998 foram construídas estações de tratamento de esgoto e ampliadas as redes de coleta, ao custo de US$ 1,1 bilhão. Nesse período, o índice de coleta passou de 70% para 80%, e o de tratamento, de 24% para 62%.

Na segunda etapa, entre 2000 e 2008, a utilização plena da capacidade instalada era a meta principal. Com investimento de US$ 500 milhões, o governo estadual otimizou o sistema de coleta e tratamento de esgoto. Isto permitiu que o índice de coleta passasse de 80% para 84% e o de tratamento, de 62% para 70%. Os resultados da terceira etapa que agora se inicia dependerão, em boa medida, das iniciativas complementares dos governos locais e das comunidades.

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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O panorama da educação

O Estado de S.Paulo

O mais recente levantamento comparativo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em matéria de educação - o relatório Education at a glance 2010 - revela que, apesar de ter ampliado os gastos com o ensino fundamental na primeira década de 2000, o Brasil ainda investe só 1/5 do que os países desenvolvidos destinam ao setor.

O levantamento cobre todos os ciclos de ensino e leva em conta a educação pública e privada. Segundo ele, enquanto países como Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Áustria, Dinamarca, Noruega, Itália, Islândia, Estados Unidos e Japão investem, em média, US$ 94.589 por estudante durante todo o ciclo do ensino fundamental, no Brasil o gasto médio é de US$ 19.516 por aluno. O resultado é que, em matéria de formação e preparo, os estudantes brasileiros continuam muito longe dos estudantes dos países desenvolvidos.

A pesquisa da OCDE comparou os investimentos no ensino fundamental realizados por 39 países e avaliou os resultados por eles obtidos. Entre outros fatores, ela levou em consideração os salários dos professores, materiais pedagógicos, instalações físicas, acesso à escola, número de estudantes matriculados e o papel dos pais na supervisão e aconselhamento das escolas públicas.

O estudo também comparou os benefícios sociais e econômicos resultantes da educação de qualidade, em termos de aprendizagem dos estudantes, condições de empregabilidade e níveis salariais.

Segundo a pesquisa, os níveis de despesa com educação variam consideravelmente entre os 39 países analisados, tanto em termos absolutos como relativos. Países como Dinamarca, Israel, Islândia e Estados Unidos, por exemplo, gastam em todos os níveis de ensino o equivalente a cerca de 6,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Países como a Rússia e a República Eslovaca gastam 4,5%. Destinando ao setor educacional 5,2% do PIB, o Brasil se encontra numa posição intermediária.

O estudo também mostra que, entre os países mais ricos, 90% do investimento em ensino fundamental e médio vem do poder público. Quanto ao ensino superior, em países como a Finlândia, Noruega e Coreia do Sul, 75% dos investimentos são privados. A prioridade do gasto público é dada, assim, à formação básica.

A pesquisa revela ainda que, em pelo menos 8 dos 39 países pesquisados, as instituições públicas cobram dos pais uma contrapartida média de US$ 1,5 mil por ano. Como se vê, nesses países, o ensino público não é inteiramente gratuito.

Entre os países mais desenvolvidos, o ensino de redação, literatura, matemática e ciências representa quase 50% do tempo de instrução obrigatória, para os alunos com idade entre 9 e 11 anos, e 40%, para os estudantes na faixa etária entre 12 e 14 anos. Nos demais países, o tempo gasto com essas atividades básicas varia de 16% a 30%.

Evidentemente, isso faz diferença no aproveitamento e no preparo dos estudantes. Esse também é um dos fatores que os levam, quando adultos, a continuar estudando durante toda sua vida profissional. Por isso, mostra a pesquisa, quanto melhor é a qualidade da formação básica dos alunos, mais valor darão ao ensino superior e aos cursos de pós-graduação, o que os torna menos vulneráveis ao desemprego causado pelas crises econômicas. Entre 1997 e 2007, segundo o estudo, a taxa média de desemprego anual de quem tem nível superior ficou em torno de 4%, em média. Entre os que somente concluíram o ensino básico, a taxa média de desemprego ficou acima de 10%, nos 39 países pesquisados.

O estudo da OCDE mostrou ainda que os países desenvolvidos têm 20 alunos por turma no ensino fundamental. No Brasil, embora o tamanho das turmas tenha diminuído em relação a 2000, o número é de 30 estudantes, nas turmas de 5.ª a 9.ª série do ensino fundamental. É um número alto, o que dificulta o trabalho dos professores. A pesquisa da OCDE registra avanços na educação brasileira, como a universalização do ensino fundamental. Mas, comparativamente, a formação dos nossos estudantes, de modo geral, continua muito longe de um padrão aceitável.

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domingo, 10 de outubro de 2010

Recortes de um país desigual

O Estado de S.Paulo

Dos 5.564 municípios brasileiros, só 226 oferecem à sua população ensino de qualidade, boa cobertura na área de saúde e empregos formais suficientes para assegurar-lhe renda satisfatória. Em 2.503 municípios, praticamente não há água tratada nem atendimento médico básico e os empregos, em geral insuficientes, são predominantemente informais e temporários. Pelo menos 40 milhões de brasileiros vivem em municípios carentes.

Este é o quadro social do Brasil traçado pelo Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, com base em dados oficiais sobre emprego e renda, educação e saúde. Esse estudo vem sendo realizado há três anos e a defasagem - o novo IFDM baseia-se em números de 2007 - se deve ao atraso na divulgação dos dados básicos. O IFDM expõe cruamente a grande diferença entre as condições de vida num município de alto índice de desenvolvimento e em outro que carece de serviços básicos de educação e saúde e não consegue gerar empregos decentes para seus trabalhadores.

O município paulista de Araraquara, a 275 quilômetros da capital, foi o que alcançou o maior IFDM do País. No outro extremo da lista está o município maranhense de Marajá do Sena, o mais carente do País.

Todo o esgoto de Araraquara é recolhido por sistema público de coleta, toda a população tem água tratada, 100% dos domicílios dispõem de luz elétrica, praticamente todas as ruas são pavimentadas, há boa rede de hospitais e postos de saúde e a maioria das escolas está conectada à internet. Em termos de educação e saúde, Araraquara repete as condições de boa parte dos demais municípios paulistas - dos 15 mais desenvolvidos do País, 14 estão no Estado de São Paulo; dos 100 melhores no ranking de educação, 92 são paulistas; no item saúde, o Estado de São Paulo só é superado pelo Paraná.

O que colocou Araraquara em primeiro lugar na classificação foi seu desempenho no item emprego e renda. Em 2007, a principal indústria do município admitiu 610 trabalhadores. Depois da conclusão de um diagnóstico que definiu sua vocação para as áreas de tecnologia de informação e logística, por sua localização privilegiada, Araraquara atraiu dezenas de empresas, que geraram milhares de empregos.

Já a população de Marajá do Sena, a 350 km de São Luís, tem água na torneira em dias alternados, como mostrou o jornal O Globo. Não há médico na cidade. Por suas ruelas de terra corre o esgoto a céu aberto. Não há sistema público de transporte e, para se chegar à cidade, é preciso cruzar estradas esburacadas.

São recortes de um país desigual, que vem melhorando - de ano para ano o IFDM vem subindo em todas as regiões, em todos os Estados e praticamente em todos os municípios -, mas num ritmo lento demais, sobretudo para os que ainda vivem em péssimas condições de habitação, saneamento e saúde, não dispõem de um sistema de ensino adequado nem conseguem empregos estáveis e com remuneração condigna.

É importante destacar que o ano de 2007, ao qual se refere o IFDM, foi de bom desempenho da economia. Com a rápida expansão da economia, as empresas geraram 1,6 milhão de empregos formais, 31,6% mais do que no ano anterior. Foram, em geral, empregos de qualidade inferior à dos postos de trabalho abertos em 2006, pois a renda real média cresceu bem menos.

Na área de educação, os gastos públicos foram 4% maiores em termos reais e, com o início de novo mandato presidencial, um novo programa de estímulo ao ensino básico foi colocado em prática. Na área de saúde, porém, persistiram os altos índices de doenças e óbitos causados por precárias condições de vida e moradia e pelas dificuldades de acesso aos serviços básicos de saúde e saneamento. Nessas duas áreas os investimentos, mesmo quando feitos no ritmo adequado, só produzem resultados a médio e longo prazos. Nos últimos anos, porém, eles têm sido insuficientes, o que pode retardar a já lenta evolução do IFDM.

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terça-feira, 27 de julho de 2010

Romper o círculo da pobreza

O Estado de S.Paulo
Um dos aspectos mais dramáticos do relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) sobre o nível de desenvolvimento humano dos países da América Latina não é a confirmação de que, no que se refere à distribuição da renda, a região continua sendo a mais desigual do planeta - e, apesar das melhoras dos últimos anos, o Brasil, na comparação com os demais países, tem a terceira pior situação do mundo. O que torna a questão muito mais grave é o fato de que, nas últimas décadas, as várias ações colocadas em práticas pelos diferentes governos, sob diferentes regimes políticos, não conseguiram evitar que os problemas da desigualdade e da pobreza se repetissem de uma geração para a outra.

Impera na região uma espécie de lei social perversa, por meio da qual, como diz o documento do Pnud, "a desigualdade reproduz desigualdade, tanto por razões econômicas como de economia política, e gera um acesso desigual ao sistema de representação política e à possibilidade de se fazer ouvir". Os níveis de escolaridade ou de renda de uma geração estão correlacionados com os da geração anterior. É como se filho de pai pobre já nascesse condenado a viver na mesma situação de seus ascendentes.

É, reconhece na apresentação do relatório o subsecretário-geral da ONU e diretor regional do Pnud para a América Latina e Caribe, Heraldo Muñoz, "um círculo vicioso difícil de romper". Mas, otimista, Muñoz afirma em seguida que "sim, é possível reduzir a desigualdade na América Latina e no Caribe". Mostrar o caminho para isso é o objetivo central do estudo que tem o sugestivo título de Atuar sobre o futuro: romper a transmissão intergeracional da desigualdade.

Para examinar mais detidamente a questão das desigualdades de renda, educação e saúde na região, os pesquisadores desenvolveram um índice especial - o Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade, IDH-D, que não pode ser comparado ao IDH tradicionalmente divulgado pelo órgão (o de 2010 sairá em outubro), por causa da metodologia diferente. Depois de avaliar o grau de desigualdade nos países da região e comparar esses resultados com os dos demais países do mundo, utilizando a mesma metodologia, o relatório constatou que, dos 15 países em que é maior a distância entre ricos e pobres, 10 estão na América Latina e no Caribe.

Uma das conclusões do relatório é que, na região, a falta de acesso aos serviços básicos de infraestrutura, a baixa renda, além de uma estrutura fiscal ineficiente para reduzir as desigualdades e a falta de mobilidade educacional entre as gerações reproduzem o quadro da distribuição muito desigual de rendimentos entre as famílias.

Constata-se que, desde a metade do século passado, apesar das diferentes políticas adotadas pelos governos da região - com mais ou menos intervenção do Estado na economia, com mais ou menos liberdade para a ação empreendedora, com menor ou maior grau de abertura política -, a desigualdade tem sido "alta, persistente e se reproduz num contexto de baixa mobilidade social".

Ou, como diz em outro trecho o estudo do Pnud, "os altos níveis de desigualdade têm sido relativamente imunes às diferentes estratégias de desenvolvimento implementadas na região desde a década de 1950".
Se tudo o que se fez até agora foi, em grande medida, ineficiente e ineficaz, ainda há o que possa ser feito de novo para alcançar resultados melhores?

Ao apontar os fatores que emperram as políticas públicas destinadas a combater as desigualdades, o relatório indica meios para reduzir o problema. Entre os fatores estão a baixa qualidade da representação política, a debilidade das instituições, o acesso desigual aos que têm o poder de elaborar e definir políticas específicas, a corrupção e a captura do Estado por partidos ou grupos políticos.

Em resumo, é preciso colocar em marcha reformas que melhorem o sistema de representação política e deem ao Estado melhores condições de responder às demandas sociais e reorientar as políticas sociais.
Não é pouco o que precisa ser feito. Mas pode ser feito.

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domingo, 4 de julho de 2010

Eleição sem maquiagem

Zero Hora

O mundo continua se contorcendo sem encontrar caminhos seguros para superar as consequências da crise desencadeada no sistema financeiro. Até a ideia (que eu defendi nos anos 1990 e que parecia uma heresia) de impor taxas à movimentação financeira reapareceu na voz dos mais ortodoxos defensores do rigor dos bancos centrais e da intocabilidade das leis de mercado. No afã de estancar a sangria produzida pelas exacerbações irracionais dos mercados, outros tantos ortodoxos passaram a usar e até a abusar de incentivos fiscais e benesses de todo tipo para salvar os bancos e o consumo. Paul Krugman, mais recentemente, lamentou a resistência europeia à frouxidão fiscal. Ele pensa que o corte aos estímulos pode levar a economia mundial a algo semelhante ao que ocorreu em 1929. Quando a crise parecia acalmada, em 1933, suspenderam-se estímulos e medidas facilitadoras do crédito, devolvendo a recessão ao mundo. Será isso mesmo? É cedo para saber. Mas, barbas de molho, as notícias que vêm do Exterior, e não só da Europa, mas também da ziguezagueante economia americana e da letárgica economia japonesa, afora as dúvidas sobre a economia chinesa, não são sinais de uma retomada alentadora.

Enquanto isso, vive-se no Brasil oficial como se tivéssemos nos transformado em uma Noruega tropical, na feliz ironia de um jornal em editorial recente. E em tão curto intervalo, que estamos todos atônitos com tanto dinheiro e tantas realizações. Basta ler o último artigo presidencial no Financial Times. A pobreza existia na época da “estagnação”. Agora assistimos ao espetáculo do crescimento, sem travas, dispensando reformas e desautorizando preocupações. Se no governo Geisel se dizia que éramos uma ilha de prosperidade num mundo em crise, hoje a retórica oficial nos dá a impressão de que somos um mundo de prosperidade e o mundo, uma distante ilha em crise. Baixo investimento em infraestrutura? Ora, o PAC resolve. Receio com o aumento do endividamento público e o crescente déficit previdenciário? Ora, preocupação com isso é lá na Europa. Aqui, não. Afinal, Deus é brasileiro.

Só que a realidade existe. A prosperidade de uns depende da de outros no mundo globalizado. Por mais que estejamos relativamente bem em comparação com os países de economia mais madura, se estes estagnarem ou crescerem a taxas baixas, haverá problemas. A queda nos preços das matérias-primas prejudicará as nossas exportações, grande parte delas composta de commodities. A ausência de crescimento complicará a solução dos desequilíbrios monetários e fiscais dos países ricos e isso significará menos recursos disponíveis para o Brasil no mercado financeiro global. Não devemos ser pessimistas, mas não podemos nos deixar embalar em devaneios quase infantis, que nos distraem de discutir os verdadeiros desafios do país.

Infelizmente, estamos às voltas com distrações. Um cântico de louvor às nossas grandezas, de uma falta de realismo assustador. Embarcamos na antiga tese do Brasil-potência e, sem olhar em volta, propomo-nos a dar saltos sem saber com que recursos: trem-bala de custos desconhecidos, pré-sal sem atenção ao impacto do desastre do Golfo do México sobre os custos futuros da extração do petróleo, capitalização da Petrobras de proporções gigantescas, uma Petro-Sal de propósitos incertos e tamanho imprevisível. Tudo grandioso. Fala-se mais do que se faz. E o que se faz é graças a transferências maciças do bolso dos contribuintes para o caixa das grandes empresas amigas do Estado, através de empréstimos subsidiados do BNDES, que de quebra engordam a dívida bruta do Tesouro.

A encenação para a eleição de outubro já está pronta. Como numa fábula, a candidata do governo, bem penteada e rosada, quase uma princesinha nórdica, dirá tudo o que se espera que diga, especialmente o que o “mercado” e os parceiros internacionais querem ouvir. Mas a própria candidata já alertou: não é um poste. E não é mesmo, espero. Tem uma história, que não bate com o que se quer que ela diga. Cumprirá o que disse?

No México do PRI, cujo domínio durou décadas, o presidente apontava sozinho o candidato a sucedê-lo, em um processo vedado ao olhar e às influências da opinião pública. No entanto, quando a escolha era revelada ao público – “el destape del tapado” –, o escolhido se via obrigado a dizer o que pensava. Aqui, o “dedazo” de Lula apontou a candidata. Só que ela não pode dizer o que pensa para não pôr em risco a eleição. Estamos diante de um personagem a ser moldado pelos marqueteiros. Antigamente, no linguajar que já foi da candidata, se chamava isso de “alienação”.

Esconde-se, assim, o que realmente está em jogo. Queremos aperfeiçoar nossa democracia ou aceitaremos como normal os grandes delitos de aloprados e as pequenas infrações sistemáticas, como as de um presidente que dá de ombros diante de seis multas a ele aplicadas por desrespeito à legislação eleitoral? Queremos um Estado partidariamente neutro ou capturado por interesses partidários? Que dialogue com a sociedade ou se feche para tomar decisões baseadas em pretensa superioridade estratégica para escolher o que é melhor para o país? Que confunda a nação com o Estado e o Estado com empresas e corporações estatais, em aliança com poucos grandes grupos privados, ou saiba distinguir uma coisa da outra em nome do interesse público? Que aposte no desenvolvimento das capacidades de cada indivíduo, para a cidadania e para o trabalho, ou veja o povo como massa e a si próprio como benfeitor? Que enxergue no meio ambiente uma dimensão essencial ou um obstáculo ao desenvolvimento?

Está na hora de cada candidato, com a alma aberta e a cara lavada, dizer ao país o que pensa.


Fernando Henrique Cardoso

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domingo, 20 de junho de 2010

Franqueza durou um dia

O Estado de S.Paulo

Conversa franca e autocrítica não são para o governo Lula. O primeiro e único balanço honesto oferecido ao público num site oficial saiu rapidamente do ar. Segundo o balanço, a educação continua tão ruim quanto em 2003, a reforma agrária não funcionou, falta coordenação aos programas de infraestrutura e a política industrial só tem beneficiado alguns setores, em vez de favorecer o aumento geral da competitividade. Todos esses problemas são bem conhecidos e todo dia são citados na imprensa. Mas nunca haviam sido reconhecidos com tanta sinceridade por qualquer órgão do Executivo, até ser lançado o novo Portal do Planejamento. O portal foi apresentado pelo ministro Paulo Bernardo, na quarta-feira, como contribuição às políticas do governo e uma forma de difundir o conhecimento de seus programas. Ficou no ar até quinta-feira e na sexta de manhã já se havia tornado inacessível. Até cerca de meio-dia, quem tentava o acesso encontrava um aviso: "Em manutenção." Depois, nem isso.

Técnicos do Ministério do Planejamento levaram um ano e meio para montar o portal, com 53 temas apresentados e discutidos em cerca de 3 mil páginas. A cerimônia de lançamento foi gravada e difundida pelo YouTube e a novidade foi alardeada por vários canais do governo.

Segundo o ministro do Planejamento, vários de seus colegas telefonaram para reclamar, dizendo não terem sido procurados para discutir as informações. O ministro da Educação, Fernando Haddad, alegou haver dados incorretos no material divulgado. Segundo Paulo Bernardo, não teria sentido ele ficar numa posição de quem tenta detonar o trabalho do governo. Diante das críticas e reclamações, ele achou melhor, segundo contou numa entrevista à Rádio CBN, suspender o funcionamento do portal para uma revisão. Uma reunião, acrescentou, foi marcada para segunda-feira com o pessoal de seu Ministério para discussão do assunto.

Na mesma entrevista, comentou a reportagem publicada na sexta-feira no jornal Valor e reclamou do destaque atribuído às análises críticas, quando havia um material muito mais amplo, de 3 mil páginas. Mas a reportagem menciona também as avaliações positivas e as sugestões para aperfeiçoamento de programas como o Bolsa-Família e o de valorização do salário mínimo.

A parte crítica é obviamente a mais interessante, porque indica a existência, na administração federal, de técnicos capazes de avaliar com independência e objetividade a formulação e a execução de planos e programas. Além do mais, as críticas mais importantes não chegam a ser novas. O ministro da Educação talvez possa reclamar de um ou outro detalhe, mas não pode negar, por exemplo, a existência de um enorme número de analfabetos funcionais, cerca de um quinto da população com idade igual ou superior a 15 anos, nem a baixa qualidade do ensino fundamental. Também não é novidade a avaliação crítica dos planos de produção de biodiesel, apontada como economicamente inviável. As tentativas conhecidas no Brasil têm confirmado essa conclusão. Da mesma forma, qualquer pessoa informada é capaz de apontar o fracasso da chamada política agrária, marcada por muito barulho e violação de direitos e quase nenhum resultado positivo em termos de produção e produtividade dos assentados.

As avaliações da política industrial, dos programas de infraestrutura, da burocracia e da persistência de um sistema tributário de baixa qualidade apenas confirmam as análises de especialistas da academia, do setor privado e até de algumas áreas oficiais. O portal pode ter sido uma surpresa incômoda para alguns ministros e também para os envolvidos na campanha da candidata oficial, a ex-ministra Dilma Rousseff. A análise mostra a pobreza de realizações em áreas importantes e confirma as falhas de coordenação dos investimentos - uma tarefa jamais cumprida pela ex-ministra da Casa Civil. À tarde, uma nota da Secretaria de Planejamento e Investimento Estratégico (SPI), criadora do portal, foi incluída no site do Ministério. Segundo a longa nota, as 3 mil páginas continham muitas avaliações positivas da ação do governo e a intenção não foi produzir um balanço crítico. Foi a autocrítica da autocrítica.

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domingo, 23 de maio de 2010

Inclusão digital e social

O Estado de S.Paulo

O programa de inclusão digital do governo paulista, o Acessa São Paulo, chegará a 86% dos municípios até o fim deste ano. Em 557 cidades haverá 633 postos com capacidade de 1,6 milhão de atendimentos mensais - um aumento de 63% se comparado a 2007, ano em que o programa começou a se expandir. Desde o início do processo, há dez anos, houve mais de 45,7 milhões de atendimentos para quase 2 milhões de usuários cadastrados.

O programa Acessa São Paulo, coordenado pela Secretaria de Gestão Pública e administrado pela Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp), dispõe nos postos já instalados pelos municípios de 4,7 mil computadores e de 1,1 mil monitores para orientar os usuários e desenvolver projetos de melhoria do atendimento.

Além de contar com salas equipadas com computadores, o programa estimula o desenvolvimento de projetos comunitários com o uso da Tecnologia da Informação, que podem ampliar, por exemplo, o acesso a cursos de informática, cultura, educação, emprego, trabalho e saúde. Também divulga e facilita o uso de serviços do governo eletrônico e promove a formação continuada em novas tecnologias. O programa pretende promover, além da inclusão digital, a inclusão social. Afinal, atualmente, um aluno ou um profissional que não frequenta a web está condenado à exclusão.

Nas unidades, os usuários podem ter acesso gratuito à internet banda larga pelo período de 30 minutos. Esgotado esse tempo, basta pegar nova senha e aguardar a vez. Conforme dados da pesquisa Ponline de 2009, que avalia o perfil do frequentador do Acessa São Paulo, numa amostra de 8.268 cidadãos, a maioria (69%) tem renda familiar de até dois salários mínimos. Em relação ao ano anterior, o número de usuários que não trabalham aumentou de 57% para 64%.

O levantamento mostrou também aumento da frequência de usuários com renda familiar de menos de um salário mínimo - reflexo da expansão do Acessa São Paulo em municípios com índices de desenvolvimento mais baixos.

Nas salas do programa há desde adolescentes até boias-frias, no interior, descobrindo como controlar o mouse. Há gente trabalhando nas salas exclusivas para profissionais, de algumas unidades, e pessoas aprendendo os primeiros passos do Word ou do Excel com os monitores.

Dados do IAB Brasil mostram que a parcela da população classificada como classe C é a que mais cresce na utilização da web. Entre 2008 e 2009, enquanto a participação das classes AB e DE na rede crescia 4%, a da classe C passou para 6% do total de usuários.

Quase 30% dos frequentadores das unidades do Acessa São Paulo têm computador em casa, mas não podem pagar pelo acesso à rede. Para essa parcela, o governo paulista criou, por meio do Decreto 59.921, de outubro passado, o Programa Banda Larga Popular que isenta esse serviço do ICMS.

Pacotes oferecidos pelas operadoras Net e Telefônica custam, no máximo, R$ 29,80 mensais e dão direito a um modem, serviços de instalação e de provedor de internet com velocidades que variam entre 200 Kbps (quatro vezes mais rápida que a velocidade da conexão discada) e 1 Mbps. Os pacotes dão acesso ilimitado à internet, sem restrições de horário ou de volume de tráfego de dados. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios mostram que aproximadamente 2,5 milhões de domicílios podem ser beneficiados pelo Programa Banda Larga Popular.

Além da inclusão digital e social, o acesso à internet banda larga incrementa a atividade econômica, como já foi comprovado pelo Banco Mundial. Os técnicos do Bird têm feito levantamentos sobre as relações, em diversos países, entre o aumento do uso da rede e o incremento do PIB. O programa paulista pode servir de modelo para outras unidades da Federação e mesmo para municípios que pretendam ter uma política continuada de inclusão digital das parcelas de jovens ou adultos da população.

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sábado, 24 de abril de 2010

Um vaga-lume na selva

O Estado de S.Paulo


O que o presidente Lula e sua comitiva não encontraram, na comemoração do aniversário da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, foi a divisão que lá havia, há um ano, entre os índios favoráveis à demarcação contínua e à expulsão dos brancos produtores de arroz ou pecuaristas daquelas terras e os que se opunham à expulsão dos arrozeiros, porque dependiam deles para sua sobrevivência. Desta feita, o que Lula encontrou foi uma completa união: tanto os que eram favoráveis como os que eram contra a exclusividade da ocupação indígena daquelas terras se tornaram solidariamente contra a demarcação tal como foi feita.


É que os dois grupos sentiram fortemente os efeitos da queda de produção e da falta de trabalho. Seus meios de sobrevivência escassearam e, de lá para cá, os chefes de família têm tido de se contentar com o que suas mulheres recebem do Bolsa-Família e do programa de cestas básicas.

O pretendido entusiasmo, que se esperava dos grupos de índios convocados e organizados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) - entidade que comandara mobilizações em favor da demarcação contínua - para recepcionar o presidente da República em Maturuca, cantar o Hino Nacional em dialeto macuxi e exibir outras formas de vitoriosa alegria, ficou obnubilado pela frustração e tristeza dos que haviam perdido o trabalho de uma vida inteira ou até de mais de uma geração.

Os fazendeiros obrigados a deixar suas terras consideravam os festejos programados pelo Planalto uma "verdadeira afronta". O Estado de segunda-feira mostrou, por exemplo, o caso do pecuarista Joaquim Correa de Melo, de 87 anos, um dos que em 22 de março de 2009 foram obrigados, por decisão do STF, a "deixar para trás uma vida inteira". Sua família residia e produzia na Fazenda Caracaramã, à beira do Rio Maú, no município de Normandia, desde 1816.

O governador de Roraima, José Anchieta Junior (PSDB), apesar de convidado pelo Planalto, não compareceu à festa, já que era inteiramente contrário à demarcação contínua e à expulsão dos fazendeiros, responsáveis por significativa produção agropecuária. Foram muitos os protestos, expressos em faixas e outdoors. E as descontraídas brincadeiras do presidente Lula - que colocou um cocar na cabeça e ameaçou usar do arco e flecha contra fotógrafos - não empolgaram ninguém.

Não empolgaram porque não são motivo de festa a paralisação da economia da região, o fato de as pessoas terem de sobreviver à custa de programas sociais e a sonegação, por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai), de assistência aos que se opuseram à demarcação e à expulsão dos arrozeiros - conforme a queixa dos índios da Vila Ticoça, onde vivem 60 famílias.

A despeito de todas as evidências dos problemas criados pela demarcação contínua e das manifestações contrárias àquela comemoração, o presidente Lula não se deu por achado. "Era como se nós fôssemos o demônio, porque diziam que a gente iria tirar a terra que Roraima precisava para produzir", disse o presidente. Acrescentou que, apesar de considerar a demarcação "um marco histórico", evitou ir antes à região por causa da divergência que se estabeleceu no Estado de Roraima.

Nisso o presidente acertou: agora já não há divergência, porque todos - com a exceção do Conselho Indigenista e da Funai - ficaram contra a demarcação contínua e a expulsão dos fazendeiros.

O presidente Lula, no entanto, vê apenas o que lhe interessa. Se, por um lado, considerou que todos os índios estão muito felizes com a demarcação da Raposa-Serra do Sol, por outro, não deixou de perceber que as instalações de luz e banheiro que encontrou eram provisórias e se destinavam ao uso da comitiva de autoridades.

E não resistiu à tirada demagógica: "Na hora em que eu virar as costas, vocês vão ficar no escuro outra vez, como se eu fosse um vaga-lume", disse ele. E prometeu que o ministro de Minas e Energia voltará a Maturuca levando luz à localidade.

Teve a prudência de não dizer quando.

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sábado, 3 de abril de 2010

A grande farsa

Miguel Reale Júnior - O Estado de S.Paulo


Kerrie Howard, diretora da Anistia Internacional, ao comentar a posição do Brasil em face da morte do dissidente cubano Orlando Zapata, disse, com a mais absoluta razão: "Não se pode criticar a questão dos direitos humanos apenas quando é conveniente."



Todavia, essa submissão da defesa dos direitos humanos pelo governo Lula a outros interesses não é novidade, como revela a posição assumida em órgãos internacionais. Assim, quando da vigência da Comissão de Direitos Humanos da ONU, substituída depois pelo Conselho de Direitos Humanos, o país de Lula votou favoravelmente à no-action motion para proteger a China na questão dos direitos humanos. O Brasil, em 2003 e em 2004, votou contra as resoluções que condenavam a Rússia pela lesão a direitos humanos na República da Chechênia.

Recentemente, como um dos 47 membros do Conselho de Direitos Humanos, o Brasil acompanhou a proposta cubana de não reprovar o Sri Lanka, país onde cerca de 70 mil pessoas haviam sido mortas em perseguição política e centena de milhares, deslocadas internamente.

Apesar da violação sistemática de direitos humanos na Coreia do Norte, com execuções e torturas de dissidentes políticos, o Brasil se absteve, em 2008 e em 2009, na Assembleia-Geral da ONU e no Conselho de Direitos Humanos, quanto à tomada de medidas e sanções em face dessas ofensas gritantes. O mesmo com o Congo e o Sudão.

Na linha de desprezo aos direitos humanos, vistos como válidos apenas quando interessa, o "diplomata" Marco Aurélio Garcia banalizou a morte de Orlando Zapata, em greve de fome, ao relativizar: "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro." Essa declaração é um gravíssimo desrespeito a valores fundamentais, pois cinicamente justifica a sua afronta por ser usual.

Discípulo do "diplomata" Marco Aurélio, o presidente Lula, em El Salvador dois dias após a morte de Zapata, disse: "Não se pode fazer julgamento de um país ou julgar a atitude de um governo por uma atitude de um cidadão que resolve entrar em greve de fome."

Lula tratou como um cidadão qualquer o dissidente Zapata, em greve de fome como ato de resistência civil silenciosa e preso de consciência conforme a Anistia Internacional, dando ao fato cores de ato de cidadão tresloucado, ao qual se refere como um qualquer, ignorando ter sido preso em vista de seus escritos e suas manifestações de oposição política.

Em entrevista à Associated Press, Lula explicitou toda a sua "sensibilidade" aos direitos humanos de presos políticos: "Greve de fome não pode ser um pretexto dos direitos humanos para libertar as pessoas." "Imaginem se todos os bandidos presos em São Paulo fizerem um jejum para pedirem sua libertação."

O que espanta não é Lula ter dito isso. Os absurdos presidenciais têm sido reiterados, apesar deste não ferir apenas a nossa inteligência, mas a nossa sensibilidade moral. O que espanta é o contraste: o Lula de ontem e o de hoje.

Lula teve o exemplo de dois de seus próximos colaboradores, Paulo Vannuchi e Frei Betto, que, como presos políticos, empreenderam greve de fome em 1972 em busca da justa reivindicação de não serem separados em diversos estabelecimentos, como medida de segurança pessoal. Essa greve com emoção é relatada por Frei Betto nos livros Cartas da Prisão e Diário de Fernando. Nesse último livro, que reproduz o testemunho de outro preso, Frei Fernando Brito, registra-se que até os carcereiros vieram solidarizar-se com eles em greve de fome.

O secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Ivo Lorscheiter, enviou à época carta ao ministro da Justiça pedindo que as reivindicações dos presos em greve de fome fossem atendidas. Conta Frei Fernando: "A greve de fome aprofunda-nos a vida espiritual... o sentido evangélico de nosso gesto." Em Cartas da Prisão, Frei Betto, com seu estilo preciso, diz sobre a greve de fome: "Não é fácil controlar o apetite da imaginação. Ainda bem que o espírito se mostra mais forte que a carne."

Em 11 de dezembro de 1989, às vésperas do segundo turno entre Lula e Collor, Abílio Diniz foi sequestrado por ativistas políticos (argentino, chileno e canadense) que desejavam arrecadar fundos para a guerrilha em El Salvador. Condenados, passados dez anos, entraram em greve de fome exigindo o retorno a seus países. Lula foi visitá-los no Hospital das Clínicas. Ligou, então, para o presidente Fernando Henrique para pleitear que fossem atendidos, argumentando que a morte mancharia a biografia do presidente.

José Gregori, secretário nacional de Direitos Humanos, em conjugação com o Itamaraty, promovia a assinatura de tratado de troca de prisioneiros com a Argentina e o Chile, a permitir o envio dos presos a seus países. Durante o tempo em que havia as tratativas para essa troca de prisioneiros, a Secretaria de Direitos Humanos, conta José Gregori, recebia telefonemas de Marco Aurélio Garcia em campanha pela expulsão dos presos em greve de fome.

Em 2000, professores paranaenses entraram em greve de fome para reivindicar melhoria salarial e em Curitiba receberam a visita de solidariedade de Lula.

Lula mesmo, quando preso político, fizera greve de fome.

Se não fosse evidente a distinção entre preso político e preso comum, a experiência vivida por Lula deveria tê-lo instruído sobre a diferença entre as duas classes de presos. Para Lula, o respeito a merecer os presos políticos estava à mão, nos livros e na vida de amigos acima lembrados. Mas Lula preferiu, com relação a Zapata, seguir o determinado pela versão do jornal oficial de Cuba, o Granma, que o descreveu como preso comum insubordinado.

Lula pôs no mesmo saco presos políticos e comuns para desculpar Cuba. Antes, já ignorara as ignomínias praticadas na China, na Coreia do Norte, na Rússia e no Sri Lanka.

Como se vê, não passa de uma grande farsa defender os direitos humanos a serem desprezados conforme a conveniência.

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

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quinta-feira, 4 de março de 2010

Cartilhas nutricionais



3/3/2010

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Apesar da elevada produção, no Brasil é baixo do consumo de frutas e hortaliças. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, frutas e verduras e legumes correspondem a apenas 2,3% das calorias totais ingeridas pela população, ou cerca de um terço das recomendações para o consumo diário desses alimentos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o consumo mínimo diário de 400 gramas de frutas e legumes, correspondentes a cinco porções. O cenário parece estar piorando. Um estudo publicado em 2008 indicou que, nas últimas três décadas do século 20, houve um declínio no consumo de alimentos básicos (como cereais e derivados) e de frutas e hortaliças na cidade de São Paulo, ao passo que se verificou um aumento alarmante da participação de alimentos de baixo teor nutricional, como biscoitos e refrigerantes.

Diante desse cenário, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com outras instituições, vem desenvolvendo desde 2007 um projeto, no Rio de Janeiro, que pretende subsidiar ações em comunidades atendidas pelo Programa de Saúde na Família para promover o consumo de frutas, legumes e verduras.

Como resultado das ações – que se concentram em empresas, escolas, creches, pontos de venda de frutas e hortaliças e em famílias de bairros da zona oeste carioca (Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz) – a equipe do projeto elaborou uma série de livretos e cartilhas, disponíveis gratuitamente na internet, para incentivar o consumo de vegetais.

“Os livretos trazem recomendações nutricionais, quantidades a serem ingeridas e dicas de consumo, além de sugestões de como trabalhar o tema para estimular o aumento do consumo de frutas e hortaliças”, disse Virgínia Matta, pesquisadora da Embrapa e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP

Já estão disponíveis no site da Embrapa (www.ctaa.embrapa.br/index.php?id=18) os livretos 12 passos para uma alimentação saudável, Promover o consumo de frutas e verduras – estratégia de saúde da família, Promover o consumo de frutas, legumes e verduras – Programa de alimentação escolar, Promover o consumo de frutas, legumes e verduras – Escolas e creches.

O folheto 12 passos para uma alimentação saudável, seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde, orienta sobre o baixo consumo de sal e gordura, a redução do consumo de açúcar, o aumento do consumo de frutas, legumes e verduras e a prática de atividade física, entre outros.

Segundo Virgínia, os livretos são direcionados a agentes de saúde, professores, merendeiras e gestores das escolas e creches, podendo também vir a ser utilizado pela população em geral. Nas ações de incentivo, o grupo promoveu oficinas de culinária, higienização de alimentos, produção de hortaliças em pequenos espaços, além de palestras sobre nutrição e alimentação saudável.

“O objetivo é que os profissionais que lidam com as comunidades tenham ferramentas para continuar estimulando o consumo. O que tentamos demonstrar, com base nas recomendações da Organização Mundial de Saúde, é que a baixa ingestão de frutas, legumes e verduras está entre os dez principais fatores de risco que contribuem para a mortalidade em todo o mundo”, disse.

Na primeira etapa do projeto foram feitas entrevistas com uma amostra das cerca de 10 mil famílias das três comunidades envolvidas. Participaram do levantamento alunos de graduação, mestrado e doutorado de universidades públicas e privadas do Rio de Janeiro.

“Levantamos informações sobre o perfil de consumo a partir de pontos estratégicos. Queríamos saber quais os determinantes do consumo e do não-consumo naquele momento e naquela região”, explicou Vírginia.

O diagnóstico inicial dos pesquisadores apontou o preço dos alimentos como fator limitante. “Quanto consideramos comunidades mais pobres, o fator econômico pesa mais. Mas a falta de hábito e de tempo para o preparo também foi recorrente. Por isso, realizamos oficinas de culinária mostrando que é possível preparar legumes e verduras de forma mais simples”, disse.

A pesquisadora destaca que outros documentos e orientações serão divulgados durante este ano, quando o projeto será encerrado. Para finalizar, estão previstas ainda a realização de minioficinas de culinária nas escolas.

Participam do projeto a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Câncer, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a Universidade Federal Fluminense, a Associação de Nutrição do Estado do Rio de Janeiro, o Conselho Regional de Nutrição, o Instituto Bennett, a Fundação Xuxa Meneghel, a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, o governo do Estado e a Prefeitura do Rio de Janeiro. As publicações estão disponíveis em: www.ctaa.embrapa.br/produtos/pub-download.php

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terça-feira, 2 de março de 2010

Mundo às avessas

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), numa iniciativa primorosa de sua presidente, senadora Kátia Abreu, criou, em fevereiro, o Observatório das Inseguranças Jurídicas no Campo, voltado para um levantamento sobre esse assunto no Brasil. Temos observado nos últimos anos o direito de propriedade ser pisoteado, como se ele fosse uma espécie de usurpação, e não a condição mesma de sociedades livres.

O evento contou com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar Mendes, que fez uma bela conferência sobre os direitos fundamentais num Estado democrático, mostrando o protagonismo da mais alta Corte de nosso país na defesa das liberdades e do Estado de Direito. Convém frisar que o ministro Gilmar Mendes se tem destacado na defesa do ordenamento constitucional do País, das liberdades fundamentais e da segurança jurídica. Nada aparentemente fora do lugar, salvo algumas reações que bem mostram a dificuldade do País no amadurecimento do Estado Democrático de Direito.

Em artigo publicado dia 19/2 no Jornal do Brasil, o jurista Dalmo Dallari tomou as dores dos movimentos sociais - a saber, do MST e das pastorais da Igreja Católica - e investiu pesadamente contra o ministro Gilmar Mendes e a senadora Kátia Abreu. Chegou até a qualificar o acordo assinado entre a CNA e o CNJ, tendo como objetivo a segurança jurídica, de "corrupção institucional". Por que uma reação tão virulenta contra um acordo que nada mais faz do que reforçar o que é assegurado pela própria Constituição?

O argumento apresentado - se é que se pode dizer que seja um argumento - é o da presença do presidente do STF numa entidade empresarial, cujo setor responde por mais de um terço do produto interno bruto (PIB) brasileiro e tem sido objeto de invasões, sequestros e violências dos mais diferentes tipos, patrocinados pelo MST, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). É como se presidentes do STF e do CNJ não pudessem - nem devessem - defender o direito de propriedade e as liberdades fundamentais. O que causa espanto é que tal "indignação" não se dirija também ao presidente da República, que reiteradas vezes recebeu esses ditos movimentos sociais, cuja prática cotidiana é o crime e o ilícito. Quem respeita a Constituição é condenado e quem a desrespeita, elogiado.

Causa ainda surpresa o eminente jurista se insurgir contra o fato de Kátia Abreu ser senadora e presidente de uma entidade empresarial. Reinaldo Azevedo, com muita propriedade e ironia, observou, em seu blog, que a mesma indignação não se fez presente em relação a outros presidentes de confederações de empresários e trabalhadores que acumulam funções parlamentares e de representação sindical. Por que uma indignação tão particular? Por que o silêncio quanto ao aparelhamento do Estado, tomado por sindicatos e movimentos sociais?

Silêncio tanto mais assustador porque se faz justamente a propósito da captura de órgãos do Estado pelos ditos movimentos sociais. O MST e a CPT estão particularmente presentes no Ministério do Desenvolvimento Agrário, em especial no Incra e na Ouvidoria Agrária Nacional. Tais órgãos se tornaram verdadeiros focos de insegurança jurídica. Denúncias de corrupção e de desvio de recursos públicos são cada vez mais abundantes, favorecendo esses movimentos sociais, que são, assim, financiados pelos próprios contribuintes que têm suas propriedades invadidas. Sobre essa verdadeira corrupção, institucional e financeira, o silêncio é ensurdecedor.

Kátia Abreu foi qualificada como "lobista notória". A qualificação é tanto mais interessante pelo fato de o eminente jurista ter participado de uma mesa-redonda na mesma CNA a convite da própria senadora. O evento foi realizado em 10 de novembro de 2009 e teve como tema "O direito de propriedade e os índices de produtividade". Participei dessa mesa-redonda e não ouvi nada de desabonador à CNA nem à senadora. Aliás, as relações foram muito cordiais. Por que, então, esse arroubo? Ou seja, o ministro Gilmar Mendes não deveria ter aceitado o convite para comparecer a essa entidade empresarial na assinatura de um acordo, enquanto o dr. Dalmo Dallari não se constrange em se reunir com uma "lobista notória". A CNA mostra-se pluralista, os seus críticos exibem o seu viés dogmático.

Aliás, em sua intervenção na CNA, o dr. Dalmo Dallari não teceu nenhuma crítica às invasões do MST e da CPT por todo o Brasil, contentando-se com generalizações sobre a necessidade da reforma agrária. Mesmo provocado, disse desconhecer o caráter marxista do MST e das pastorais da Igreja, apoiadas pela Teologia da Libertação. Até o atual papa já criticou o marxismo da Teologia da Libertação, mostrando a sua incompatibilidade com a doutrina cristã.

Tal "desconhecimento" é preocupante por serem esses ditos movimentos sociais verdadeiras organizações políticas que procuram implantar no Brasil o socialismo/comunismo. Basta a leitura dos documentos e manuais dessas organizações, nada difícil de ser feita. O material é abundante. Seu objetivo consiste em subverter a ordem constitucional, começando pela relativização do direito de propriedade, pela não-obediência ao Estado de Direito e pelo desrespeito às instituições democráticas.

Se o Observatório já causa tanta reação é porque ele rompe o monopólio da informação, até agora em poder das pastorais da Igreja, que se vinham arrogando a posição de porta-vozes morais do campo brasileiro. Na verdade, vinham acobertando e justificando a violência e a insegurança jurídica. Vinham formando a opinião pública nacional e a internacional. Doravante serão obrigadas a escutar outras vozes, ao pluralismo. Bem-vindo seja o Observatório das Inseguranças Jurídicas no Campo. E que essa iniciativa possa ser ampliada às cidades e a outros setores da vida nacional.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia
na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br

ESTADÃO

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domingo, 7 de fevereiro de 2010

Sem medo do passado

O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas estão o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse: "O Estado sou eu." Lula dirá: "O Brasil sou eu!" Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.

Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos. Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira. Deu passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então, baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?

A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês...). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo o que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.

Na campanha haverá um mote - o governo do PSDB foi "neoliberal" - e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa. Mas os dados, ora, os dados... O que conta é repetir a versão conveniente. Há três semanas Lula disse que recebeu um governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade da moeda, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da recuperação do BNDES, da modernização da Petrobrás, que triplicou a produção depois do fim do monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade, chegou à descoberta do pré-sal. Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de R$ 6 bilhões, e junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e recuperados para a execução de políticas de Estado. Esqueceu-se dos investimentos do Programa Avança Brasil, que, com menos alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de obras essenciais ao País. Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal, de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada, de que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no País.

Esqueceu-se de que o País pagou um custo alto por anos de "bravata" do PT e dele próprio. Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir socorro ao FMI - com aval de Lula, diga-se - para que houvesse um colchão de reservas no início do governo seguinte. Esqueceu-se de que foi esse temor que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à custa de tudo o que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.

Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto "neoliberalismo" peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista. Vejam o que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobrás, citado por Adriano Pires no Brasil Econômico de 13/1: "Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobrás produzia 600 mil barris por dia e tinha 6 milhões de barris de reservas. Dez anos depois produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz dela."

O outro alvo da distorção petista se refere à insensibilidade social de quem só se preocuparia com a economia. Os fatos são diferentes: com o real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário mínimo. De 1995 a 2002 houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação, não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.

Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa-Família), vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram num município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para Estados (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo. O Bolsa-Escola atingiu cerca de 5 milhões de famílias, às quais o governo atual juntou outros 6 milhões, já com o nome de Bolsa-Família, englobando numa só bolsa os programas anteriores.

É mentira, portanto, dizer que o PSDB "não olhou para o social". Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel para a realidade; o programa da aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família, pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa Toda Criança na Escola trouxe para o ensino fundamental quase 100% das crianças de 7 a 14 anos. Foi também no governo do PSDB que se pôs em prática a política que assiste hoje mais de 3 milhões de idosos e deficientes (em 1996 eram apenas 300 mil).

Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças. Mas se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

ESTADÃO

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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O salário mínimo dos docentes

Os municípios e o Ministério da Educação começaram 2010 em rota de colisão por causa da Lei nº 11.738, que instituiu o piso salarial nacional para os docentes da rede pública de ensino básico do País - Editorial

Os municípios e o Ministério da Educação começaram 2010 em rota de colisão por causa da Lei nº 11.738, que instituiu o piso salarial nacional para os docentes da rede pública de ensino básico do País. O professorado é a única categoria profissional a ter um salário mínimo próprio. Quando a lei foi aprovada, em julho de 2008, 37% dos docentes recebiam menos do que o piso nacional, fixado em R$ 950. Na última semana de 2009, o ministro Fernando Haddad o reajustou em 7,86% e a iniciativa não foi bem recebida pelos prefeitos.

Como muitos municípios não podem arcar com esse gasto, a Lei nº 11.738 tinha uma regra de transição que os autorizava a pagar até dois terços do piso nacional, em 2009, obrigando-os, no entanto, a pagar o salário mínimo completo a partir de 2010. Apesar de não haver estimativa de quantos municípios continuam sem caixa suficiente para cumprir essa determinação, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) reclamam da dificuldade financeira de cumprir a lei e querem que a União continue ajudando-os também em 2010, o que não está nos planos do MEC.

Para o ministro Fernando Haddad, como em 2010 a União fará aos Estados e municípios uma transferência adicional de R$ 1 bilhão, resultado do aumento dos repasses federais para merenda e transporte Escolar, todas as prefeituras estariam em condições de arcar com o reajuste. Ele também lembrou que as verbas do Fundeb, que, em 2009, totalizaram cerca de R$ 5 bilhões, deverão aumentar para R$ 7 bilhões este ano. "Com essas alterações, o reajuste de 7,86% no piso é suportável", afirmou Haddad, depois de lembrar que os professores que não receberem o salário mínimo poderão ingressar com ações na Justiça, dar queixa ao Ministério Público e pedir providências aos Tribunais de Contas.

Para os dirigentes da CNM e da Undime, o ministro estaria fazendo "propaganda enganosa". Segundo eles, merenda e transporte Escolar envolvem dinheiro de transferência voluntária, enquanto o pagamento do salário mínimo do professorado é despesa fixa imposta por lei. "Para cumprir o piso salarial nacional, as prefeituras serão obrigadas a tirar recursos de outras áreas, que também têm suas necessidades. O ministro quer que os prefeitos sejam acusados de desviar dinheiro de merenda para pagar salários", diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
Além das reclamações de dificuldades financeiras, a imposição de um salário mínimo nacional para o professorado gerou um problema jurídico. Para cumprir a Lei nº 11.738, muitos prefeitos somaram as gratificações e demais benefícios dos docentes ao salário-base, para efeitos de cálculo do piso salarial nacional. Para o MEC, no entanto, os anuênios, os quinquênios e a "sexta parte" seriam complementares ao piso nacional.

A discussão foi acabar no Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu liminar aos municípios, autorizando a inclusão dos benefícios funcionais no cálculo do salário. Agora os prefeitos receiam que, ao julgar o caso no mérito, o STF acolha a tese do governo. Se isso ocorrer, dizem os dirigentes da CNM e da Undime, muitas prefeituras que cumpriram em 2009 as determinações da Lei nº 11.738 ficarão impossibilitadas de fazê-lo. "A maioria absoluta hoje paga o piso em forma de complementação, seja via gratificação por tempo de serviço ou pela formação de ensino superior, seja por outros penduricalhos", diz o presidente da Undime, Carlos Sanchez, que também é secretário municipal de Educação de Castro, cidade paranaense a 160 quilômetros de Curitiba. A entidade por ele presidida também reivindica um repasse de R$ 400 milhões do Fundo de Participação dos Municípios só para cobrir o que as prefeituras gastaram em 2009 para pagar o piso.

O salário mínimo nacional é uma medida importante para valorizar o magistério público. Mas, como se tornou rotineiro no atual governo, ele foi imposto de modo açodado e os prefeitos estão com razão, quando afirmam que o MEC ficou com o prestígio político e os municípios, somente com os encargos financeiros. 


ESTADÃO

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POLÍTICA DE PRIVACIDADE

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