sábado, 2 de maio de 2009

O retrato de sempre

Os números do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) infelizmente não trazem qualquer novidade. A prova, que é voluntária e foi aplicada no ano passado a mais de 4 milhões de estudantes de 20.174 escolas em todo o País, apenas confirmou a falência da rede escolar pública, na qual estão matriculados cerca de 85% dos alunos desse nível de ensino.

Pelo Enem de 2008, entre as mil escolas brasileiras com as piores notas, 965 são vinculadas à rede pública estadual. Entre as mil escolas com as melhores notas, apenas 36 são colégios estaduais, 58 são escolas federais e 1 escola é municipal. Como nas edições anteriores do Enem, as escolas públicas mais bem classificadas são os centros estaduais e federais de educação tecnológica e os colégios de aplicação vinculados aos cursos de pedagogia de universidades públicas.

A melhor escola do País, o Colégio São Bento, do Rio de Janeiro, com média 33% acima da melhor escola pública, é particular e mantida por uma ordem religiosa. Para as autoridades educacionais, a liderança no ranking decorre de causas óbvias - ou seja, professores bem pagos, qualificados e motivados, instalações adequadas, bibliotecas e laboratórios atualizados e apoio familiar. "Nenhuma prova mede só a escola. Mede também o aluno, a formação dos pais e o contexto socioeconômico", diz o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Reynaldo Fernandes.

Também não causou surpresa o fato de as escolas públicas de ensino médio com as notas mais baixas se concentrarem nas regiões mais pobres, como o Nordeste. Das 50 piores escolas do País, 11 estão no Estado da Bahia, em áreas com problemas de desemprego, narcotráfico e violência familiar. Em sua grande maioria, os alunos desses colégios trabalham de dia e estudam à noite. Além disso, nem todos os professores têm formação adequada e não há docentes para as disciplinas mais técnicas.

Apesar de terem registrado um desempenho superior ao das escolas públicas, muitos colégios particulares também não se saíram bem no último Enem. Segundo o Inep, de um total de 4.475 escolas privadas, 2.724 tiveram nota abaixo da média, que ficou em 60,73 pontos.

As autoridades educacionais já esperavam esse quadro devastador. Elas alegam que, embora vários Estados tenham investido em qualificação de docentes e projetos pedagógicos, as medidas para elevar a qualidade do ensino médio demoram anos para surtir efeitos. Por ironia, o Enem de 2008 foi divulgado no momento em que o Ministério da Educação está propondo a substituição dos vestibulares por um novo Enem, alegadamente para substituir a "decoreba" pela compreensão. A ideia é usar essa avaliação para unificar os mecanismos de acesso às universidades federais.

A prova, que hoje conta com 63 questões, passaria a ter 200 perguntas de 4 áreas do conhecimento - matemática, ciências da natureza, ciências humanas e linguagem e códigos. A iniciativa é polêmica. Muitos especialistas afirmam que ela pode desfigurar de vez o ensino médio, transformando-o num grande curso preparatório para o ingresso no ensino superior.

Avaliações escolares são uma importante ferramenta para melhorar a educação, mas é preciso que as provas tenham a mesma estrutura e o mesmo nível de dificuldade para permitir que os resultados sejam comparados ano a ano. Na medida em que o MEC vai mudando o Enem e o Enade e alterando os papéis para os quais foram criados, as comparações ficam prejudicadas e as autoridades educacionais perdem o foco das medidas estruturais que precisam tomar para melhorar a qualidade do ensino básico.

Tem razão o ministro Fernando Haddad ao atribuir às desigualdades socioeconômicas entre estudantes das escolas públicas e particulares parte da responsabilidade pelos péssimos resultados das primeiras. Mas é exatamente porque a maioria dos alunos das escolas públicas não tem as condições econômicas e o apoio familiar de que dispõem os alunos das escolas particulares que o governo tem a obrigação impostergável de fazer da escola pública um instrumento de superação das desigualdades. Sem um ensino público de qualidade, não é possível romper o círculo perverso da pobreza e da ignorância.

ESTADÃO

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