quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Fogo sobre Gaza

No terceiro dia dos ataques aéreos israelenses contra o Hamas, na Faixa de Gaza, já havia mais de 340 mortos e 1,4 mil feridos. E era iminente o início de uma ofensiva terrestre, que certamente aumentará bastante a lista de baixas. Esta é talvez a mais violenta operação militar de Israel contra os territórios ocupados, hoje sob a administração da Autoridade Palestina, o que, à primeira vista, justifica a reação praticamente unânime da comunidade internacional, que classificou a ofensiva como uma "reação desproporcional".

O problema é que, no Oriente Médio, tudo é desproporcional. Os ódios e ressentimentos, por exemplo, assumem amplitudes desproporcionais, levando ao fracasso toda e qualquer tentativa de se fazer a paz na região. Na verdade, demorou muito o cessar-fogo de seis meses entre Israel e o Hamas, obtido por intermédio do Egito.

Durante esse período, continuaram caindo sobre colônias e kibutzim israelenses morteiros e foguetes disparados pelos militantes do Hamas, sem que houvesse reação. Mas, no dia 4 de novembro, Israel desencadeou uma operação militar em Gaza para destruir um túnel que estaria sendo usado pelo Hamas no seqüestro de israelenses. Na ação, morreram seis militantes palestinos. Então, sim, houve a resposta do Hamas, que passou a disparar grande número de foguetes contra Israel e anunciou que a trégua não seria prorrogada. Na semana passada, pelo menos 200 foguetes atingiram o sul de Israel.

Esse ataque, a seis semanas das eleições gerais, mudou a relação de forças no Gabinete israelense de coalizão. Até então prevalecia a moderação do primeiro-ministro Ehud Olmert, em fim de mandato, e do ministro da Defesa e líder do Partido Trabalhista, Ehud Barak - candidato a chefe do governo -, sobre a posição mais agressiva da ministra das Relações Exteriores e líder do Kadima, Tzipi Livni - também candidata. Há tempos Livni vem afirmando que o controle da Faixa de Gaza pelo Hamas deve terminar, uma vez que aquele grupo radical não estaria disposto a fazer a paz com Israel, ao contrário do Fatah. E esse objetivo, obviamente, só poderia ser alcançado com o uso de força.

Esse argumento vinha sendo abertamente defendido pelo principal adversário de Ehud Barak e Tzipi Livni no pleito de fevereiro, o ex-primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, líder da oposição e do Likud. Na companhia de políticos tanto da oposição como do governo, Netanyahu exigia que o governo adotasse uma ação militar decisiva contra o Hamas.

Assim, a saraivada de foguetes do Hamas contra Israel forneceu o pretexto para a guinada do Gabinete. "Há um momento para a calma e um momento para a luta. E este é o momento de lutar", reconheceu o ministro da Defesa.

Mas a reação do governo de Jerusalém não foi inopinada. Durante pelo menos uma semana a diplomacia israelense buscou o apoio das grandes potências e de seus principais aliados para a ofensiva que viria a seguir. O objetivo declarado pelo primeiro-ministro Olmert e pelo ministro da Defesa, Ehud Barak, era criar um "guarda-chuva internacional" que garantisse o apoio mundial à ampliação das respostas militares aos ataques do Hamas. Barak, por exemplo, conversou nesse sentido com o chanceler da Rússia, enquanto a chanceler Livni foi ao Cairo, expor aos dirigentes egípcios a nova política israelense.

E, três dias antes do início dos ataques aéreos, o governo israelense fez o que poderia ser interpretado como uma última tentativa de levar o Hamas a prorrogar a vigência do cessar-fogo, autorizando a abertura dos postos de fronteira para a passagem de comboios de caminhões com mantimentos, combustíveis e suprimentos médicos destinados à população de Gaza. No mesmo dia, 20 foguetes foram disparados contra Israel, o que levou o chefe do Estado-Maior a declarar que "teremos de usar todo o nosso poderio contra a infra-estrutura dos terroristas e assim criar uma realidade distinta, do ponto de vista da segurança, em torno de Gaza".

O "guarda-chuva internacional" de apoio a Israel não se abriu. De todos os lados, menos do governo Bush, a ofensiva recebeu críticas severas, não porque se negasse a Israel o direito de se defender, mas porque a sua reação foi brutal e indiscriminada.

ESTADÃO
30/12/2008

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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Trabalho escravo resiste e Brasil liberta 4.418 pessoas em um ano

Cinco anos depois de Lula lançar plano de erradicação, governo encontra o problema em 18 Estados em 2008

Ricardo Brandt

Cinco anos após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançar o primeiro Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo - em que previa acabar com o problema até 2006 -, a exploração da mão-de-obra escrava no campo ainda é uma realidade. Em 2008, foram libertadas no Brasil 4.418 pessoas que eram mantidas em condições de trabalho análogas à escravidão, segundo números fechados na última semana pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Passados 120 anos da abolição da escravatura, os fazendeiros modernos não usam mais correntes, mas continuam escravagistas por cassarem a liberdade dos trabalhadores. O artigo 149 do Código Penal é claro ao definir como condições de trabalho análogas à escravidão aquelas em que a vítima for submetida a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, seja sujeitando-a a condições degradantes de trabalho, seja restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.

Os números do MTE mostram libertações de pessoas escravizadas em 18 Estados. A maior concentração ocorreu onde houve forte expansão da cultura da cana, como em Goiás e Alagoas, e no Pará, historicamente o maior foco do problema. Em números absolutos, Goiás liderou a lista: foram 867 encontrados, em 7 fazendas. Alagoas, que até então não figurava na relação, ficou em terceiro, com 656 libertados. Nesses Estados, a cultura de cana teve forte expansão, movida pela política de incentivo ao etanol do governo Lula. No Pará, onde a maioria dos casos está relacionada à pecuária e à expansão da fronteira agrícola, foram 703 casos, em 73 propriedades.

Um quadro comparativo produzido pela Divisão de Fiscalização e Erradicação do Trabalho Escravo evidencia como cresceu o percentual de casos nos canaviais, em relação a outras culturas. Em 2003, de 5.223 pessoas resgatadas no País, 11,4% estavam em plantações de cana. Em 2005, a participação foi a 32,7%, mas voltou a cair em 2006, para 8,4%. Em 2007 e 2008, quando ficaram visíveis os primeiros resultados da política de incentivo ao etanol, os casos ultrapassaram 50%, em relação ao quadro geral. Os números são de libertações, desconsiderando a proporção em relação ao total de trabalhadores em cada setor.

A secretária nacional de Inspeção do Trabalho, do MTE, Ruth Villela, responsável pelos Grupos Móveis de Fiscalização, admite que há relação com o avanço da cana. "Como o setor está em fase de expansão, precisamos ver se o Estado não está financiando indiretamente esse tipo de trabalho análogo à escravidão." Ela, porém, diz que o principal motivo do aumento é outro. Houve "intensificação", segundo ela, de blitz em canaviais e usinas.

O procurador do Trabalho Jonas Ratier Moreno, coordenador das ações de combate ao trabalho escravo, lembra que o "comportamento ético nas relações de trabalho é uma exigência internacional" e acaba sendo usado em discursos que visam bloquear a entrada de produtos brasileiros no exterior. Em julho, a União Européia tentou condicionar a abertura do mercado ao etanol brasileiro ao compromisso de que a produção é ambientalmente sustentável e não usa trabalho escravo.

COMPARATIVO

Desde 1995, quando foi criado o Grupo Móvel de Fiscalização, 32.185 trabalhadores em condições de escravidão foram resgatados. Em 22.710 autuações, num total de 2.121 fazendas visitadas, foi obtido o pagamento de R$ 46,4 milhões em indenizações. Os grupos móveis são compostos por auditores fiscais do MTE, procuradores, além de agentes e delegados da Polícia Federal. Existem, hoje, nove grupos.

Em 2008, apesar de o número de operações ter aumento (foram 125), o total de pessoas flagradas em condições de escravidão caiu em relação a 2007, quando a marca atingiu o recorde histórico: 5.999. A retração não significa queda dos casos. Nem o aumento das libertações, notado mais claramente a partir de 2003, indica maior incidência de casos. "Não podemos usar o número de libertações como parâmetro. Eles estão relacionados ao número de operações e descobertas de casos", diz Ruth Villela.

"Eu, particularmente, ainda acredito que seja possível acabar definitivamente com o trabalho escravo no Brasil", diz a secretária. Tanto ela, como especialistas e procuradores ressaltam, porém, que sem punições mais severas e investimentos em educação e combate à miséria, o problema não vai acabar. "Daqui a 15 anos ainda teremos esses números, se não atacarmos a origem do problema", diz Moreno.

Estadão


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sábado, 20 de dezembro de 2008

DARFUR À ESPERA DE UM SALVADOR

Darfur, no Sudão, cenário de um genocídio silencioso,
é um lugar sem lei e sem espaço para a misericórdia divina.
Seria também um lugar sem nenhuma esperança, não
fosse o trabalho humanitário de um batalhão de abnegados


Diogo Schelp, de El Fasher


Jehad Nga/Corbis/Latinstock
NO LIMITE DA SOBREVIVÊNCIA
Mãe e filho refugiados no campo de Abu Shouk. Darfur é beneficiado com o maior programa de distribuição de alimentos do mundo. Nos últimos anos, a taxa de desnutrição infantil caiu na região, mas continua acima da linha de emergência

Em um mundo em que a corrente de informação circula ao ritmo de terabytes por segundo e quase tudo o que se quer saber está, para 1 bilhão de pessoas, a apenas um clique de distância, como explicar que a tragédia de Darfur seja invisível? O mundo ignora ou finge ignorar que Darfur, no Sudão, é cenário de uma guerra de extermínio contra uma população indefesa. O mesmo mundo que se apieda de um filhote de urso-polar abandonado pela mãe no zoológico de Berlim fecha os olhos para as centenas de milhares de crianças subnutridas dos 130 campos de refugiados de Darfur. O mundo que está prestes a comemorar o Natal, festa que ultrapassou os limites do cristianismo para congraçar homens e mulheres de diferentes credos, esquece que em Darfur a noite de 24 de dezembro será apenas véspera de mais um dia em que crianças morrerão, homens serão executados e mulheres, estupradas. Vem sendo assim desde 2003, quando eclodiu o conflito entre o governo do ditador Omar al-Bashir e rebeldes dessa região do oeste sudanês. E também quando, armados pelo governo de Cartum, bandos de facínoras, a pretexto de combater revoltosos, intensificaram a matança indiscriminada de cidadãos que não pertenciam à sua etnia "árabe".

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Edição 2.092 da Revista VEJA

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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

LULA DA SILVA E DERCY GONÇALVES

por Maria Lucia Victor Barbosa

Dercy Gonçalves era uma atriz popular que fazia da esculhambação fator de seu sucesso. Lula da Silva é o presidente da República que buscando o sucesso esculhamba para ser popular. O que os faz semelhantes? O uso de palavrões, pois não sei se Dercy era alcoólatra. O que os faz diferentes? Dercy, a debochada, não estava investida da autoridade do mais alto cargo da República. Lula da Silva está.

Pode ser que tenha se tornado politicamente correto usar palavrões. Que seja interpretado como preconceito criticar o presidente por ele esbanjar palavras de baixo calão que passam pelos tradicionais “p...m”, “p...rra” e mais recentemente o “sifu”. Lembre-se ainda do “ponto G” que o presidente brasileiro agraciou o companheiro Bush ou outros gracejos e gracinhas, ditos no auge do entusiasmo que ocorre nos palanques de onde ele só desce para viajar ao exterior.

Os “adornos” lingüísticos com os quais Lula da Silva entremeia suas falas por sinal muito aplaudidas, talvez possam ser explicados por conta de sua origem sindical e petista. Como ele nunca sabe de nada, certamente ainda não percebeu que deve ser comportar como presidente da República e não como líder de metalúrgicos. Nesse caso, falta alguém do cerimonial ou de sua intimidade palaciana que ouse lhe dizer que não fica bem um presidente tão sem educação, tão sem compostura, tão grosseiro. Enfim, que ele não é Dercy Gonçalves nem animador de auditório e que porta de fábrica é realidade diferente de Palácio do Planalto.

Mas se algum corajoso advertir Lula da Silva sobre a impropriedade de seu comportamento, sobre a necessidade de controlar seus rompantes, provavelmente etílicos, sobre os limites entre o humor e boçalidade, poderá em troca receber um ou mais palavrões com “argumentações” mais ou menos assim: “sou um sucesso, sou a cara do povo e como o povo fala palavrão, o que me identifica com meu eleitorado, vou continuar e ninguém tem nada com isso”.

Mas será que o povo brasileiro fala tanto palavrão? Depende do lugar, como um estádio de futebol, na hora em que o juiz rouba para o time adversário. Em algum momento da intimidade familiar ou de amigos. Diante de certos transtornos do cotidiano como exclamação de contrariedade. Mas não é comum nas conversas diárias soltar o “verbo diarréico”. Também dele não costumam fazer uso, profissionais em geral ao se dirigir aos seus clientes ou pacientes, autoridades em cerimônias públicas. Com exceção, é claro, do governador do Paraná, Roberto Requião, que prima pela linguagem desabrida e pelo estilo truculento

Naturalmente, alguns membros do governo Lula da Silva são seguidores do chefe. É o caso de Marco Aurélio Garcia, celebrizado por gestos obscenos. E de madame Favre ou Suplicy com seu imortal “relaxa e goza”. Como a primeira-dama parece ter sido agraciada com o silêncio obsequioso, não se sabe se também segue o estilo Dercy Gonçalves, mas se pode imaginar o que é ouvido nas reuniões do PT, quando cadeiradas são desferidas democraticamente No mais, os ministros de Lula da Silva têm caído às pencas por corrupção, mas não costumam falar palavrões, pelo menos em público. Alguns até podem ter pensado em algum “sifu”, como José Dirceu ou Palocci, mas, se pensaram, engoliram em seco.

Em todo caso, digamos que a imensa popularidade de Lula da Silva transforme seu linguajar chulo em moda. Você diria a uma pessoa: “bom dia”. E ela responderia: “vá à m...”. E assim por diante. Tudo muito natural. Tudo politicamente correto. E coitado daquele que se queixasse de quem o insultou. O preconceituoso seria preso por crime hediondo e inafiançável.

Aliás, na era Lula da Silva o correto, o certo, o elegante é quebrar escolas e bater nos professores. Invadir propriedades produtivas e destruir o patrimônio alheio. Exacerbar a violência, inclusive nas torcidas de futebol. E chic mesmo hoje em dia é ser assaltado. Morrer à espera de atendimento do SUS, de dengue ou de bala perdida, de preferência gritando um palavrão no derradeiro momento, seguido do brado “viva Lula”, esse grande inaugurador de um Brasil feito de mentira, de propaganda enganosa, medíocre e vulgar.

Consola saber que ainda existem, brasileiros dignos. A tragédia que se abateu sobre Santa Catarina mostrou comoventes exemplos de solidariedade e de coragem da população, dos bombeiros, dos militares, de todo o país que se mobilizou para ajudar as vítimas. E se a dor dos catarinenses que perderam parentes, casas, pertences, permanece insepulta, o Estado já se levanta, reorganiza o caos, retoma o trabalho e a produção.

Enquanto isso Lula da Silva, cujo governo não agiu preventivamente em Santa Catarina para impedir a catástrofe, prossegue apenas discursando, gracejando, proferindo impropérios para o gáudio da platéia de bajuladores. Perto dele Dercy Gonçalves é santa.

DiegoCasagrande.com.br

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domingo, 7 de dezembro de 2008

Recessão ou depressão

A história da presente crise financeira é a história de uma morte anunciada. São incontáveis as referências feitas nos últimos anos aos "déficits gêmeos" da economia americana: na balança comercial e nas contas públicas. Os críticos do governo George W. Bush, com Paul Krugman à frente, cansaram-se de clamar contra os gastos excessivos nas guerras, combinados com cortes de impostos para as camadas mais ricas da população e com uma política monetária complacente. O que não se conhecia a fundo era o mau uso que bancos e instituições assemelhadas faziam dessa situação de dinheiro farto, acompanhada de desregulamentação financeira. Daí emergiu o monstro da crise, muito mais feio do que se podia imaginar.

Havia sinais antecedentes. Em maio de 2007 assisti a uma conferência no Citigroup, em Nova York. Ali, pela primeira vez, ouvi falar em "subprime mortgage", da boca de Bob Rubin, ex-secretário do Tesouro de Bill Clinton, à época conselheiro sênior do Citi. Disse ele que, por sorte, os bancos não carregavam o risco dessas hipotecas, que haviam sido "empacotadas", juntamente com outros títulos, e revendidas a terceiros e quartos compradores por intermédio de "veículos especiais estruturados", que recebiam o aval das agências de avaliação de riscos, apesar de misturarem títulos bons com hipotecas altamente arriscadas. Parecia certo o que Rubin dizia: a farra dos papéis tóxicos se fazia à margem da contabilidade dos bancos. Mas, quando veio a quebradeira, eles tiveram de reconhecer a responsabilidade por tais operações e incorporar os prejuízos aos seus balanços. Caso contrário, o Tesouro e o Federal Reserve (Fed), restritos por lei a injetar recursos apenas nos bancos, estariam de mãos atadas e o colapso do sistema financeiro seria inevitável.

Daí por diante foi o corre-corre conhecido: os bancos de investimento estavam atolados em papéis podres, e não só hipotecários. A falência de um deles desencadeou o fechamento de vários outros, atingiu algumas seguradoras e as agências semi-oficiais de garantia de hipotecas populares.

Na mesma época, Bill Rhodes, vice-presidente sênior do Citi, escreveu um artigo dizendo com todas as letras que em algum momento nos dois anos seguintes haveria uma crise. Em agosto de 2007 as primeiras explosões foram escutadas pelos mercados, embora muitos governos permanecessem surdos a elas. As bolsas começaram a registrar o desfazimento do sonho dourado do crescimento econômico contínuo, do fim dos ciclos. Quando em setembro/outubro daquele ano os bancos começaram a cobrar taxas significativamente mais altas do que as oficiais nos empréstimos entre eles e, finalmente, pararam de emprestar uns aos outros, estava instalada a bruxa: a desconfiança.

A reação dos bancos centrais e dos Tesouros tem sido gigantesca. Em pouco tempo as contas passaram a ser feitas na casa das centenas de bilhões de dólares. O total "enxugamento da liquidez" deu lugar ao "empoçamento" do dinheiro: os bancos retêm os recursos recebidos, com medo de emprestar e não receber depois ou por temerem ter de cobrir novos prejuízos que venham a surgir, como a cada dia surgem.

Incerteza, medo, falta de confiança, paralisia dos créditos. Nesta hora todos gritam: mais ajuda! Mais governo! Só o governo restabelece a confiança. Não por acaso, Gordon Brown, de lame duck (pato manco) do governo inglês, passou a herói do capitalismo financeiro. Nada de conceder empréstimo aos bancos a juros baratos, como queriam fazer os americanos. É preciso injetar dinheiro do Tesouro diretamente nas veias dos bancos, comprando-lhes ações, consolidando os capitais. E depressa, antes que quebrem e a economia real sofra mais ainda com a falta de crédito e suas conseqüências, a principal das quais será o aumento do desemprego. Ou seja, socializemos as perdas, antes que venha o caos!

Provavelmente não virá o caos, mas a recessão bate às portas do mundo. Até a China, que seria a esperança contra a crise, está retraindo fortemente o crescimento. O risco agora é outro: o de depressão. Para comparar, na crise de 1929 as bolsas subiram fortemente até agosto. Despencaram em outubro. Como os bancos centrais fizeram o oposto do que agora estão fazendo, a paralisia de crédito foi fatal. Mas a economia real só caiu mesmo entre 1930 e 1932. O New Deal criou uma rede de proteção social e deu impulso a obras de infra-estrutura, mas não conteve a crise, que se prolongou até 1937/38. Foi a preparação para a guerra, com os déficits justificados por ela, juntamente com imensos empréstimos aos países aliados, com prazos de carência até o fim da guerra e com taxas de juros irrelevantes, que reanimou a economia americana e, mais tarde, a do mundo.

Seria insensato pregar a guerra entre os países como modo de evitar a depressão. Busquemos outros tipos de "guerra": a guerra à pobreza e ao aquecimento global, por exemplo. Barack Obama vem apontando nessa direção. Não basta falar das redes de proteção social, por mais imperativas que sejam, como são, para evitar a tragédia social. É preciso investir produtivamente, e há como fazê-lo; a busca de energias alternativas, a manutenção das infra-estruturas existentes (sociais e físicas) e a abertura de novas, sobretudo apelando à inovação tecnológica, talvez seja essa a receita para evitar que a recessão se transforme em depressão. Tomara que a isso se acrescente uma mudança cultural que refreie a civilização do consumo e do desperdício e volte a injetar no sistema econômico um mínimo de ética e na sociedade uma preocupação maior com a eqüidade.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

Estadão

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quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Keynes e Krugman mal seguidos no Brasil

Toda economia requer dinheiro e crédito, quase como nós precisamos de água. Aliás, na economia fala-se da liquidez, dada pela disponibilidade de dinheiro das pessoas, empresas e outras organizações.

Nessa perspectiva, a atual crise econômica é comparável à de um sistema de abastecimento de água danificado de tal forma que alguns registros das tubulações foram fechados ou semifechados. Com isso há usuários que têm menos água e suas atividades são prejudicadas. Sobreveio também uma desconfiança quanto ao abastecimento futuro, o que levou muitos a reterem para si a água que deveriam transferir ou emprestar. Assim, vieram dificuldades adicionais, pois novamente as atividades dos usuários tiveram prejuízo, porque foram reduzidos o consumo e a parte destinada à expansão delas.

De modo similar, a crise econômica chegou do financeiro a outros setores atingidos por dificuldades de liquidez, pela contração do crédito e pela quebra de confiança de consumidores e empresários no futuro da economia, ampliando a cautela nos seus gastos e levando à queda do ritmo da produção.

Nesse contexto, podem-se revelar inócuas ou pouco eficazes as medidas governamentais adotadas para restaurar a liquidez e o crédito, e manter a atividade econômica. A razão é que elas podem não reverter essa cautela por parte de consumidores e empresários.

Daí o ressurgimento de idéias de um famoso economista, Keynes, que propôs que nesses casos o governo deveria ampliar seus próprios gastos, para compensar a contenção feita pelos agentes privados. Assim, desde que a crise eclodiu com maior vigor, os jornais têm mais artigos e reportagens sugerindo medidas desse tipo, com destaque para os textos de Paul Krugman, um economista recém-laureado, por outras razões, com o Nobel de Economia.

Nos seus textos, há frases como esta: "... a economia precisa é de algo que entre no lugar dos constrangidos consumidores. Isso (...) deve vir na forma de gastos do governo..." Quanto ao maior déficit público que isso poderia gerar, ele diz que os "políticos e os dirigentes da economia" devem (...) superar o "medo do déficit". E mais: "... quando a economia da depressão prevalece, prudência é insensatez."

Vários economistas brasileiros passaram a pregar o mesmo caminho no Brasil, esquecendo-se de que não estamos naqueles países, com destaque para os EUA, para os quais essa ação governamental foi e é preconizada. Isso faz uma enorme diferença.

Em particular, vale lembrar que os EUA estão numa situação privilegiada que permite ao país ostentar grandes déficits, tanto nas contas públicas como nas externas. Seu dólar tem curso internacional e continua exercendo forte atração para os capitais de outros países, mesmo nesta crise, o que levou à sua valorização relativamente a outras moedas, entre elas o nosso real, o qual passou a valer bem menos centavos de dólar. Um dos ingredientes desse movimento foi a maior procura por títulos do governo americano, pois, mesmo com sua remuneração em queda, são tidos como refúgio seguro por investidores do país e de outras nações, inclusive seus governos. Assim, o dos EUA têm condições de ampliar sua dívida a juros e prazos bem favoráveis.

Aqui, no Brasil, ao contrário, o real não é moeda internacional e a dívida pública em reais tem um grande peso no Orçamento anual, financiada que é a juros altíssimos, além de delicadamente rolada em prazos curtos. Seus juros altos refletem também essa dificuldade. Ampliá-la ainda mais, com uma conta de juros ainda mais alta, seria temerário.

Além disso, o que significa gastar mais, na visão do governo federal? Ele continua acreditando que a onda da crise chegará aqui como uma marola, a julgar por mais um pródigo reajuste dado a várias categorias do seu funcionalismo, medida que ontem completou sua passagem pelo Congresso, por iniciativa do próprio governo, com impacto que se estenderá até 2011, quando se prevê que alcançará R$ 7,2 bilhões (!) por ano. E há ainda outra iniciativa semelhante, que já passou no Senado e aguarda votação na Câmara, onde deve passar sem dificuldades, na esteira de uma política de empreguismo e de altos salários que alcança também as estatais federais.

Nossos afoitos "keynesianos" não ousam pedir a opinião dos autênticos sobre o que acham disso, pois o que os últimos defendem são gastos em investimentos públicos e em transferências sociais como o seguro-desemprego, pois tanto num como noutro caso os dispêndios podem refluir quando a economia se recuperar, para que o mesmo ocorra com o déficit ampliado. Aqui há quem proponha ampliar gastos como o Bolsa-Família, ignorando que depois de concedido esse benefício é muito difícil retirá-lo. E mais: alega-se que o déficit público brasileiro é muito baixo como proporção do PIB, mas se ignora que a crise deverá ter impacto negativo sobre as receitas do governo, ao mesmo tempo que suas despesas, como essas do funcionalismo, crescerão por compromissos já assumidos.

Keynesianamente falando, os gastos com o seguro-desemprego deverão aumentar, o que é indispensável e desejável, pois cabe cuidar dos que caírem com a "marola". Mas a grande oportunidade keynesiana nessa crise seria ampliar substancialmente a proporção dos investimentos no total das despesas públicas. Isso poderia começar com o presidente vetando os dois referidos projetos de gastos com pessoal e repassando parte do dinheiro à ministra Dilma para ampliar seu pequeno PAC.

Sugiro, mas não acredito. Volto a Krugman, que propôs ousadia numa situação em que vê que "prudência é insensatez". Aqui, ousadia mesmo seria conter a imprudente insensatez na realização dos gastos públicos federais.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Estadão

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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Novas regras para atendimento ao consumidor pelo telefone começam a valer a partir de amanhã

Sabrina Craide
Repórter da Agência Brasil - 30/11/2008


Brasília - Quem já precisou resolver um problema com alguma empresa ou prestadora de serviço pelo telefone sabe que, muitas vezes, o tempo de espera é grande e a demora para ser atendido costuma tirar a paciência de muitos consumidores. Mas a partir de amanhã (1º), os Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs) terão novas regras.

Com a entrada em vigor do Decreto 6.523/08, o consumidor não deverá esperar mais do que um minuto para ser atendido. Ao ligar para um SAC, o consumidor deve ter a opção, logo no primeiro menu eletrônico e em todas as suas subdivisões, de falar diretamente com o atendente, sem ter que fornecer seus dados antes.

O serviço deve funcionar todos os dias durante 24 horas. O pedido de cancelamento de um serviço deve ser registrado imediatamente e os efeitos do cancelamento também devem ser imediatos.

As determinações valem para setores regulados pelo governo, como os serviços de telecomunicações, instituições financeiras, companhias aéreas, transportes terrestres, planos de saúde, serviços de água e energia elétrica. As regras não valem para oferta e contratação de produtos e serviços realizadas pelo telefone.

O decreto também prevê que os consumidores poderão pedir, em um prazo de 72 horas, cópia da gravação do atendimento, que poderá ser usada para posteriores reclamações nos órgãos de defesa do consumidor. As gravações devem ser mantidas por 90 dias.

Para a advogada Mariana Alves, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o consumidor será mais respeitado e terá um atendimento mais breve e esclarecedor. Ela lembra também que os serviços de atendimento terão que formar os atendentes para que eles conheçam bem os produto e possam atender os consumidores de forma satisfatória.

“Qualquer atendente vai ter que ter capacidade técnica para discutir aquele produto, e antes isso não acontecia. A pessoa era transferida várias vezes para poder falar com setores específicos”, disse.

Segundo ela, o próprio consumidor será o fiscal da nova legislação. “As regras do decreto são simples, será de fácil compreensão para o consumidor e ele deve fiscalizar se aquele atendimento está sendo condizente com a lei e, caso contrário, deve fazer uma denúncia ao Procon”, alerta.

Quem não receber o atendimento adequado poderá denunciar ao Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), Ministérios Públicos, Procons, Defensorias Públicas e entidades civis que representam a área.

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sábado, 29 de novembro de 2008

A Petrobrás deve respostas

A diretoria da Petrobrás, a maior empresa do Brasil e a mais importante das companhias controladas pelo governo, deve à opinião pública uma explicação clara e detalhada sobre suas dificuldades de caixa e sobre os motivos que a levaram a tomar um empréstimo de R$ 2,02 bilhões da Caixa Econômica Federal. O empréstimo é pequeno, em comparação com o lucro líquido contabilizado no terceiro trimestre, R$ 10,85 bilhões, e com o ganho acumulado até setembro, R$ 26,56 bilhões. Mas também esse contraste justifica a surpresa demonstrada não só por políticos da oposição, mas também por analistas do mercado financeiro e do setor de energia. Por que uma empresa com resultados tão bons, com reputação de competência tecnológica e planos tão ambiciosos de crescimento precisa recorrer, de um momento para outro, a uma instituição especializada em crédito imobiliário e em financiamentos de obras de interesse social, como projetos de saneamento e de transporte?

O espanto foi justificado, também, pelo fato de a Petrobrás ser uma empresa com ações cotadas no exterior e com acesso fácil, pelo menos até agora, ao mercado financeiro internacional. Em condições normais, não precisaria, portanto, concorrer com empresas nacionais - e, mais que isso, com empresas muito menores - na busca de empréstimos concedidos no mercado interno, especialmente de recursos destinados ao capital de giro, hoje muito escasso e muito caro para a maior parte das companhias.

Antes de recorrer à Caixa, no entanto, a Petrobrás já havia atingido, com um financiamento de R$ 751 milhões, seu limite de crédito no Banco do Brasil (BB). Esse fato não havia chamado a atenção. Só ganhou publicidade mais tarde, quando o empréstimo de R$ 2,02 bilhões já estava acertado.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) interveio duas vezes para facilitar a movimentação da Petrobrás no mercado financeiro interno. Na primeira, em 30 de outubro, autorizou a estatal a obter créditos ou garantias no valor de até R$ 8 bilhões. Na segunda, excluiu a empresa dos limites impostos ao setor financeiro público para empréstimos a empresas estatais.

Tanto da Petrobrás quanto do governo partiram explicações consideradas pouco satisfatórias por analistas do mercado. Segundo o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a empresa teve de recolher grande volume de impostos e teve dificuldades momentâneas de capital de giro. Por isso precisou buscar financiamento. Foi, resumidamente, a explicação oferecida também pela estatal.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, negou a existência de qualquer problema sério. A Petrobrás, segundo ela, agiu como qualquer outra empresa em busca de capital de giro para pagar impostos. Escolheu a Caixa como poderia ter escolhido qualquer banco, acrescentou. Todo banco, segundo ela, sonha em emprestar dinheiro à estatal. Pode ser, mas a Petrobrás acabou recorrendo a duas instituições controladas pelo Tesouro Nacional e, além disso, o CMN precisou mudar regras para permitir a movimentação da empresa no mercado bancário nacional.

Há fatos estranhos em número mais que suficiente para justificar a cobrança de explicações. A piora das condições no mercado internacional de capitais não é novidade e várias empresas brasileiras se voltaram para o mercado interno em busca de financiamento. Essa explicação faria sentido. Menos evidente é a alegação de que a empresa tenha sido surpreendida pelo pagamento de royalties. A valorização do dólar, que elevou o débito em reais, torna o assunto um pouco menos misterioso, mas não elimina dúvidas sobre a gestão de caixa da empresa.

Além do mais, o último balanço financeiro da empresa mostrou uma grande elevação de custos. Com o preço do petróleo em torno de US$ 50 por barril - cerca de um terço do que era há poucos meses - e a economia global em marcha lenta, o peso relativo desses custos muda consideravelmente. Depois, faltou esclarecer a destinação efetiva de grandes volumes de dinheiro, como despesas não especificadas, por exemplo, que passaram de R$ 956 milhões no segundo trimestre para R$ 2,38 bilhões no terceiro. Quanto mais pronto o esclarecimento dessa e de outras questões, menor o risco de uma indesejável e danosa exploração política das dificuldades, quase certamente passageiras, da Petrobrás.

Estadão

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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Mapa descreve onde e como vivem os pobres mais pobres do Brasil

Para organizar dados, Ministério do Desenvolvimento Social criou o Índice de Desenvolvimento Familiar

Lisandra Paraguassú

Os pobres mais pobres do Brasil estão onde o assistencialismo público equivale a pouco mais do que uma esmola social e o trabalho assalariado praticamente inexiste. A combinação desses dois fatores com a baixíssima escolaridade faz do Amazonas o Estado com a pior situação de miséria, seguido do Pará e Maranhão. Nove dos 10 municípios com os muito pobres do Brasil são da Região Norte.

Veja a pesquisa completa

Esse mapa sobre como vivem e onde vivem os miseráveis brasileiros, a que o Estado teve acesso com exclusividade, foi montado pelo Ministério do Desenvolvimento Social com a ajuda do Cadastro Único, um monumental estoque de informações sobre as famílias assistidas pelo Bolsa-Família. Para organizar esses dados, o governo criou o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), que será apresentado amanhã.

O IDF juntou seis itens - vulnerabilidade familiar, escolaridade, acesso ao trabalho, renda, desenvolvimento infantil e condições de habitação - e revela que onde chega o assistencialismo, mas não há políticas públicas articuladas, o presente dos pobres é quase igual ao passado.

É assim em Jordão (AC), cidade de pouco mais de 6 mil habitantes, espalhados por mais de 5 mil quilômetros quadrados na fronteira com o Peru. No IDF, Jordão divide com Uiramutã (RR) o título de município onde a população pobre enfrenta mais dificuldades - tem 0,35 em um índice que vai de zero (o pior) a um. Colonizada na época áurea da extração da borracha, Jordão quase desapareceu com o fim do ciclo, na década de 80.

"O governo nunca se preocupou conosco. Quando a borracha acabou, ficamos sem nada. Sem emprego, sem produção, sem educação", diz o prefeito da cidade, Hilário de Holanda Melo (PT), que acabou de ser reeleito. "Estamos aqui sentados guardando a riqueza da floresta e mergulhados na pobreza."

ANALFABETISMO

Jordão também tem o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País e mais de 60% da população é analfabeta. A economia restringe-se à agricultura de subsistência e ao extrativismo vegetal. Não tem saneamento ou tratamento de esgoto e a energia vem de um gerador. Para chegar até lá, só de barco ou avião - caso típico de Estado ausente até por falta de infra-estrutura.

"Não é o fim do mundo não, minha filha. Uma hora e meia de avião ou 18 horas de barco se chega a Rio Branco", diz o prefeito. Reconhece, no entanto, que a falta de acesso prejudica qualquer tentativa de desenvolver o turismo, artesanato ou outro tipo de produção local. É o retrato extremo de realidade que o Bolsa-Família sozinho não muda.

O que o IDF mais expõe, porém, não é a falta de infra-estrutura viária. Os piores são os indicadores de acesso ao conhecimento - presença de analfabetos ou pessoas com menos de quatro anos de estudo na família - e ao trabalho, que leva em conta pessoas ocupadas com rendimento acima de um salário mínimo, os piores na maior parte dos municípios. "São as pessoas que têm muitas dificuldades por conta da sua própria condição de pobreza", explica a secretária de Renda e Cidadania, Lúcia Modesto.

O indicador que trata de trabalho é o que mais revela essas dificuldades. Em 61 municípios, o IDF relacionado ao acesso ao trabalho é 0. E, se é dominada pelos Estados mais pobres do País, a lista inclui cidades em Minas, Rio, Rio Grande do Sul e Goiás. Em mais de 3 mil municípios, o índice é de 0,05, na escala que vai até 1.

Isso significa que praticamente ninguém, dentre as famílias mais pobres dessas localidades, têm emprego formal ou mesmo fixo fora da agricultura de subsistência. E, mesmo que procurem, terão muita dificuldade em encontrar algo que os ajude a sair da dependência de programas como o Bolsa-Família.

GASTOS

Nas cidades em que os pobres são mais pobres não há trabalho. Apesar da universalização recente do acesso à escola, a geração de jovens e adultos ainda foi pouco além das primeiras séries do ensino fundamental. E, na maior demonstração de que ali está a pobreza marginalizada, mora-se muito mal. Há excesso de gente habitando casas precárias, sem saneamento, água tratada, esgoto, coleta de lixo ou mesmo eletricidade.

Há cerca de um mês, um estudo apresentado pelo professor Carlos Monteiro, da Escola de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em um seminário sobre alimentação, mostrou que a única região do País onde a desnutrição infantil ainda permanece alta (14%) é o Norte. A falta de saneamento é o problema: com diarréia crônica, causada por água mal tratada, as crianças não absorvem nutrientes.

Entre as capitais brasileiras, onde o Estado brasileiro está mais próximo, a situação é um pouco melhor. Não há nenhuma capital entre os 500 municípios com piores IDFs. Macapá (AP) e Porto Velho (RO) têm as piores situações, com IDF 0,48. Mas Belém (PA), Manaus (AM) e Rio Branco (AC) aparecem com 0,49 apenas. São Paulo, a cidade mais rica do País, tem um IDF de 0,55, igual ao de Teresina (PI), Natal (RN) e Aracaju (SE). Curitiba e Salvador são as melhores capitais, com 0,59 e 0,58, respectivamente.

Estadão

23/11/2008


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domingo, 16 de novembro de 2008

A crise na China

As dimensões do programa de estímulo à atividade econômica anunciado pelo governo da China não deixam dúvidas, se ainda havia alguma, de que não passava de falácia a tese de muitos economistas dos países ricos, surgida no início do agravamento da crise nos Estados Unidos e na Europa, de que os grandes países emergentes (os Brics) sofreriam pouco com ela e contribuiriam até para amenizá-la e aliviar seus efeitos, porque continuariam a crescer vigorosamente. Hoje se verifica que a excepcional performance econômica dos emergentes só foi possível graças à fantástica prosperidade dos países ricos bruscamente interrompida pelo estouro da "bolha" financeira.

Agora, a violência dos efeitos da crise na China mostra como é grave a ameaça para todos os países emergentes, inclusive o Brasil, cujo ritmo de crescimento, como o chinês, será fortemente reduzido. Proporcional ao impacto da crise, o programa chinês prevê, além de redução de impostos e medidas para aumentar a liquidez do sistema financeiro, investimentos equivalentes a US$ 586 bilhões (16% do PIB de 2007 e praticamente o valor dos orçamentos públicos do país) em 2009 e 2010 para conter a desaceleração da economia. Em valor, o programa chinês é comparável ao montado às pressas pelas autoridades americanas para conter a crise financeira nos EUA. Os investimentos, cuja fonte de financiamento ainda é obscura, destinam-se a projetos de infra-estrutura, meio ambiente, inovação tecnológica e reconstrução de regiões afetadas por desastres naturais.

É a ação mais ampla de Pequim contra os efeitos da crise. Nas últimas semanas, as autoridades chinesas fizeram três cortes na taxa básica de juros, reduziram a tributação das exportações e tomaram medidas para baratear os produtos no mercado interno.

Ironicamente, até alguns meses atrás, o governo chinês tomava medidas para conter o crescimento econômico, que pressionava a inflação. Desde o segundo semestre de 2007, a economia chinesa se desacelerava. Depois de registrar aumento de 12,6% no segundo trimestre do ano passado, em relação a igual período de 2006, a expansão foi perdendo velocidade. A crise global agravou esse processo.

No terceiro trimestre de 2008, o crescimento foi de 9%, um número que merece ser comemorado em qualquer parte do mundo, menos na China. É o pior resultado dos últimos cinco anos. As projeções mais recentes para 2009 são de crescimento entre 7,8% e 7,6%. Os pessimistas falam em 6%. Será um desempenho preocupante para os dirigentes do Partido Comunista chinês. Eles calculam que o crescimento mínimo anual deve ser de 8%, para gerar empregos suficientes para os milhões de trabalhadores rurais que anualmente buscam trabalho nas cidades. Se a China crescer menos que isso, podem surgir graves problemas sociais.

As regiões industrializadas do sul do país - que prosperaram de maneira notável nas últimas décadas, graças às exportações de produtos eletrônicos, roupas, brinquedos e móveis que enchem as prateleiras das lojas dos Estados Unidos e de outras partes do mundo - foram fortemente afetadas pela crise nos países ricos. O corte nos pedidos dos importadores, sobretudo americanos, o aumento das matérias-primas e outros problemas levaram à falência mais de 68 mil pequenas empresas. Até o fim do ano, 2,5 milhões de empregos poderão ser extintos só na região do delta do Rio Pérola.

O fantasma do desemprego em massa assombra os dirigentes comunistas. Seu crescimento pode levar à perda de apoio popular ao governo e a manifestações de insatisfação que, se não contidas no início, podem levar a uma situação incontrolável. Desde outubro, já houve mais de dez protestos de empregados de empresas exportadoras, algumas com ações negociadas em bolsa.

Uma crise política na China, que afete seriamente a atividade econômica, afetará também a economia mundial, por causa do grande volume de matérias-primas e produtos acabados que o país importa do resto do mundo. Na semana passada, por exemplo, a brasileira Vale anunciou ter desistido de negociar um reajuste adicional de 12% no preço do minério de ferro que exporta para a China por causa da crise internacional e da mudança do quadro econômico chinês.

Estadão

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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

China aqui e Lula lá

Nos dias 21 e 24 do mês passado tive o privilégio de atuar como debatedor em dois eventos que integraram a Semana da Universidade de Yale (EUA), em São Paulo, quando professores e gestores dessa escola aqui estiveram em intensa programação. O primeiro ocorreu no Instituto Fernand Braudel, associado à Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), onde o visitante Shiwu Chen, professor de Finanças, ministrou palestra sobre a China. O segundo foi um debate sobre Mudanças de Poder Global: Perspectivas Econômicas e Geopolíticas, organizado pelo Centro de Estudos Americanos da Faap e pelo Instituto FHC. Participaram por Yale o conhecido historiador e professor Paul Kennedy, novamente o professor Chen e Nayan Chanda, editor do site Yale Global Online. Do nosso lado, também o embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da mesma fundação, o embaixador Sérgio Amaral, diretor do referido centro, e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

Também no segundo evento meu interesse se concentrou na China, dado o angustiante momento por que passa a economia mundial, assolada por uma intensa crise financeira de grandes repercussões nas atividades econômicas. E é sabido que o Brasil deposita no desempenho da economia chinesa muitas de suas esperanças de sofrer um impacto relativamente menor do que aquele que se passa nos EUA e em outros países já fortemente atingidos.

Nascido na China, o professor Chen de lá saiu para estudar em Yale, onde ficou como professor, mas visita freqüentemente seu país de origem, onde tem familiares e mantém contatos com empresários e autoridades governamentais. Dos especialistas que já ouvi sobre a China, pareceu-me o mais conhecedor, integrando muito bem os aspectos econômicos, sociais e políticos.

Indagado, reconheceu que o crescimento econômico é fonte de legitimação política do governo chinês, que assim se empenhará em manter elevada a taxa de crescimento econômico, pois uma abaixo de 8% ao ano já seria malvista. Assim, é bom saber que lá haverá gente a fazer força também pelo Brasil, o que solidifica nossas esperanças de nos sairmos menos mal de toda essa encrenca.

No modelo chinês, merece destaque a referência de Chen ao fato de que a concentração de investimentos em manufaturas e infra-estrutura, que se evidencia aos olhos da população, desempenha o papel de mostrar claramente que o país cresce de forma acelerada. No processo, entretanto, a distribuição de renda é comprometida, pois esses investimentos absorvem muitos recursos e a ênfase na exportação reduz o espaço para indústrias mais voltadas para as necessidades da população. Baixa ênfase também é dada aos serviços sociais, como educação, saúde e previdência social, em que os investimentos não são realizados com a mesma intensidade dos que ocorrem nos setores que o governo prioriza.

Na máquina de crescimento chinesa, Chen também destacou que 76% dos ativos pertencem ao governo, que assim recebe o retorno correspondente, consome relativamente pouco, poupa muito para realizar investimentos e é bem contido ao distribuir benefícios à população.

Além de interessantes por si mesmos, esses e outros aspectos do modelo chinês se contrapõem ao tocado aqui pelo presidente Lula. O aspecto crucial é a taxa de investimento como proporção do produto interno bruto (PIB), ou seja, aquela parte da produção que não é consumida, aplicada que é na expansão da capacidade produtiva da economia. Na China essa taxa é cerca do dobro da brasileira, que está em torno de apenas 19% do PIB. A diferença entre os dois países no caso dos investimentos públicos é infinitamente maior, pois o governo daqui, além de não ter o peso relativo do chinês, elegeu o consumismo governamental e o distributivismo social como seus ícones maiores. Só recentemente acordou, mas ainda segue sonolento, para os investimentos e o minúsculo e vagaroso Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na China o investimento foi tão longe que já se fala de excesso de capacidade em vários segmentos da economia.

Nessa percepção comparativa do que se passa nos dois países, é inescapável a conclusão de que temos muito a aprender um com o outro, inclusive buscando ajuda recíproca. De seu lado, os chineses poderiam ensinar-nos como investir mais. Como apreciam essa prática, até investir mais no Brasil. Por exemplo, soube do professor Chen que a indústria do país avançou muito no desenvolvimento e produção de grandes equipamentos para instalações portuárias, de que somos tão carentes, e poderíamos retribuir lições e investimentos com algumas encomendas nessa área, possivelmente facilitadas pelo excesso de capacidade que se manifesta lá.

Nessa linha de reciprocidade, também poderíamos oferecer algo grandioso, dado o seu impacto potencial na macropolítica chinesa. Como ex-chefes daqui e de outras nações, começando em 2011 nosso presidente estará habilitado para palestras e consultorias e poderia transmitir aos chineses sua experiência em programas distributivos, como o Bolsa-Família. Antes de sair, contudo, precisaria consultar-se com seus sábios quanto a uma demanda que certamente lhe fariam os governantes chineses: "Olhe, companheiro, queremos que você nos ensine como mexer os pauzinhos para distribuir, mas sem sacrificar tanto o investimento público e o crescimento, como você fez no Brasil."

Portanto, incluamos na nossa pauta de intercâmbio com os chineses esses dois itens, distribuição e crescimento. É possível que esteja aí a oportunidade de pensarmos uma solução de meio-termo para o diferente contraste entre uma coisa e outra, que os dois países hoje enfrentam.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Estadão
07 de novembro de 2.008

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sábado, 1 de novembro de 2008

Classe média que ainda não é

Não consegui deglutir essa euforia acrítica de classe média majoritária. Outro dia, contou-me um amigo que alguém lhe perguntara: "Como faço para entrar na classe média, se ganho R$ 980?" Respondeu-lhe esse amigo: "É muito fácil, peça ao seu patrão um aumento na Carteira de Trabalho de R$ 84 e, mesmo que não os receba, você passará a ser mais um feliz integrante dessa classe, o que certamente mudará a sua vida."

Não se brinca assim, por atacado, com o povo de um país. Um mínimo de análise é necessário, por isso pergunto: R$ 1.064 são suficientes para prover uma família, mesmo com apenas dois filhos, e manter uma casa com oferta de boa alimentação? E os gastos com transporte, telefone, água, luz, cultura, lazer? É só pela renda familiar que se define a classe média? É tão simples assim? Quem estabeleceu esses limites respondeu às perguntas anteriores?

Será que esses cidadãos exultantes por passarem a viver num país de classe média e a ela pertencerem conhecem os péssimos - e mantidos - resultados da avaliação do ensino público fundamental (Prova Brasil, Saeb, Pisa, etc.), em que os seus filhos certamente estudam, e os últimos resultados do Enade, que mostram 30% dos cursos superiores reprovados?

É verdade que esse cidadão não tem muita preocupação com a qualidade do ensino superior, pois seus filhos não estão e, possivelmente, não estarão na universidade, que é excludente para a grande maioria dos jovens dessa "nova classe média", que vêm do ensino público fundamental. Segundo pesquisas da Unicamp, a partir do quinto ano do ciclo fundamental esses jovens vão desaparecendo silenciosamente das salas de aula e das estatísticas. Os poucos que terminam o ensino médio não conseguem entrar nas boas universidades públicas e, tampouco, pagar as privadas. Apenas 11% dos jovens brasileiros entre 18 e 25 anos cursam o ensino superior e não são os que estão, estatística e virtualmente, entrando na classe média. Espanha e Coréia do Sul, para citar apenas dois exemplos, têm mais de 60%. Recentemente, estudos da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana mostraram que, no Brasil, 53% das famílias mais ricas têm seus filhos nas universidades, enquanto apenas 0,8% das mais pobres os têm no ensino superior. Essa é a classe média que inventaram.

De saúde nem é bom falar. Os índices de descontentamento e os de mortalidade falam por si e as famílias que ganham de R$ 1.064 a R$ 4.591 ficam num verdadeiro dilema: Sistema Único de Saúde (SUS) com falta de acesso, mau acolhimento, burocracias e filas ou planos de saúde ilusórios. Aliás, qualquer escolha é dramática e eu não saberia dizer qual é a pior.

Ou seja, certos órgãos governamentais inventam uma classe média e acabam com a pobreza colocando-a lá dentro, quando a obrigação não cumprida do governo é a de implantar sistemas de educação, saúde e outros que ofereçam a todos a oportunidade de se habilitarem a uma verdadeira classe média, com cidadãos preparados para as tarefas de tecnologia avançada, com potencial produtivo e de participação política estabilizadora do sistema - ambas regadas e balizadas por um humanismo decorrente do acesso aos bens culturais -, não a criada artificialmente por estatística. Aliás, isso me lembra Benjamin Disraeli, primeiro-ministro do Reino Unido no século 19, que certa feita disse que existem três tipos de mentira: a mentira, a mentira deslavada e a estatística.

Não quero desclassificar os dados da FGV e do Ipea nem minimizar os acréscimos de rendimento que os brasileiros pobres tiveram nestes últimos anos pelo aumento justo do salário mínimo, Bolsa-Família, valorização da moeda e crescimento do emprego, mas dizer que somos um país de classe média é um escárnio, uma montagem, propaganda enganosa.

Vale a pena aguçar a consciência política e rever o excelente filme A Classe Operária Vai ao Paraíso (1971), de Elio Petri, com Gian Maria Volonté.

Se nos conformarmos com uma classe média definida apenas por maior potencial de compra, estimulando o vício do consumismo e atendendo ao apetite insaciável do capitalismo pelas aquisições inúteis daqueles que são denominados "rica massa pobre", tudo adaptado a um sistema financeiro que se esgotou, nunca teremos um País desenvolvido no correto sentido da palavra. Só a construção de uma verdadeira classe média, com políticas públicas corretas, poderá trazer-nos, nesta fase histórica, uma certa garantia de riqueza e desenvolvimento que não sejam os da sorte de termos encontrado petróleo (nem sei se perfuraremos o pré-sal, pelo preço atual do produto) e sido bafejados temporariamente pelo aumento do preço das commodities - mas os produzidos por uma massa crítica de pessoas que possam absorver ciência e tecnologia com capacidade de inovar, manufaturando produtos de valor agregado e competitivos em nível internacional.

Além do mais, somente um povo educado pode garantir distribuição de riqueza e o fim da violência, dois grandes flagelos da realidade brasileira. Mas esperar isso da classe política, dominada na maioria pelos rentistas e pelo poder econômico, mesmo que hoje em crise, é acreditar em contos da carochinha iguais a esse de um país de classe média, que é a mentira da vez, enfiada goela abaixo de um povo despolitizado - possivelmente de forma intencional -, por falta de educação.

José Aristodemo Pinotti, deputado federal (DEM-SP), professor emérito da USP e da Unicamp, membro da Academia Nacional de Medicina (cadeira 22), foi secretário de Educação (1986-1987) e da Saúde (1987-1991) do Estado e do Município de São Paulo, presidente da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (1986-1992) e reitor da Unicamp (1982-1986)

Estadão

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domingo, 26 de outubro de 2008

Risco maior é a incompetência

A maior ameaça ao Brasil, hoje, não é a crise internacional, apesar de sua gravidade, mas a crescente influência das pessoas mais ineptas, mais irresponsáveis ou mais ideologicamente engajadas da administração federal. Essas pessoas convenceram o presidente a aproveitar o momento para aumentar o poder e a gama de negócios do Banco do Brasil (BB) e da Caixa Econômica Federal, em vez de concentrar esforços nos desafios imediatos, como a estabilização do sistema financeiro, o socorro aos exportadores e o suprimento de crédito à agricultura e à construção civil. O presidente parece não haver notado a diferença entre a Medida Provisória (MP) 443, publicada na quarta-feira, e as ações de emergência empreendidas no mundo rico. "É só olhar o que está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos. Não tem diferença. São medidas de prevenção que nos dão segurança", disse o presidente, segundo o ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto, ao sair de um encontro no Palácio do Planalto.

Talvez o presidente não tenha notado, mas a MP 443 é uma lamentável caricatura das medidas aplicadas nos Estados Unidos e na Europa. A estatização de bancos, naqueles países, foi adotada para conter a quebradeira, não como programa de governo. A intervenção foi decidida como solução temporária. O remédio para as deficiências do mercado, segundo se anunciou, deverá consistir em regulamentação mais ampla, supervisão mais estrita e maior cooperação internacional entre autoridades do setor.

No Brasil, a concepção da política é outra. A MP 443 não autoriza apenas a capitalização de instituições financeiras e a compra, pelo governo, de créditos de baixa qualidade. A compra de carteiras já havia sido autorizada e não dependia, na quarta-feira, de nova legislação. Além disso, não havia notícia de banco em risco de quebra e carente de novo capital. Havia problemas de liquidez e de escassez de crédito para atividades importantes, mas para resolver esses problemas não seria necessário estatizar ou reestatizar atividades financeiras ou de outra natureza.

Já na quarta-feira, a presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho, falou com entusiasmo, numa entrevista à Agência Estado, sobre as oportunidades de bons negócios criadas pela MP 443. Como exemplos, mencionou as possibilidades de participação em construtoras e outros empreendimentos. Admitiu, no entanto, não haver problema de solvência em nenhuma construtora. No dia seguinte, dirigentes das principais associações do setor criticaram a MP e condenaram o evidente propósito de estatização da nova iniciativa oficial. As empresas da área da construção, disseram seus porta-vozes, precisam é de mais financiamento, e para isso os bancos oficiais não precisam estatizar o setor.

Na mesma quinta-feira, o presidente Lula mencionou planos de compra de uma financiadora pelo Banco do Brasil para ajuda ao setor automobilístico. Isso não é necessário para a concessão de mais financiamento às vendas de veículos. Mas o presidente, influenciado pelo grupo defensor de mais estatização, mais contratação de pessoal e mais intervenção direta na economia, parece não perceber certas distinções.

O interesse do governo federal pelo Banco Nossa Caixa, controlado pelo Tesouro de São Paulo, também não tem relação com a crise financeira. No entanto, a MP 443 dispensa de licitação a venda de instituições públicas ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Isso pode facilitar a absorção tanto da Nossa Caixa quanto do BRB (de Brasília) pelo Banco do Brasil. Como isso contribuirá para a estabilização dos mercados e a superação da crise? De nenhum modo, mas o lance do governo é mais ambicioso. Algumas pessoas parecem não haver entendido (será o caso do presidente Lula?) que a crise financeira no mundo rico está associada à falha de regulamentação e não à falta de estatização. No caso de alguns, a confusão é explicável por uma deficiência intelectual irreparável. Há exemplos em áreas importantes da administração federal - hoje muito mais numerosos do que no tempo do ministro Antonio Palocci. No caso de outros, a explicação está no oportunismo e na malandragem.

O mais preocupante é o comprometimento do presidente Lula com essa gente. Isto, sim, é risco Brasil - muito mais assustador que aquele apontado, até agora, pelos índices do mercado internacional.

Estadão

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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Faz falta um ministro

O Brasil precisa com urgência de um ministro da Fazenda. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva dispensou esse auxílio nos últimos dois anos e meio, desde a substituição do ministro Antonio Palocci. Pôde fazê-lo porque as condições da economia global eram muito favoráveis, o dinamismo interno permitia ao Tesouro uma arrecadação crescente e o Banco Central (BC), agindo com autonomia de fato, embora não de direito, manteve a inflação controlada. Mas o cenário mudou. Hoje, os brasileiros precisam tanto de um executivo de fato na área fiscal quanto de um presidente disposto a levar a sério a crise global e suas conseqüências para o País. O presidente agora parece, embora com certa relutância, reconhecer algum risco para o Brasil. Se americanos e europeus importarem menos, os problemas, admitiu, poderão chegar até aqui.

Mas não basta esse reconhecimento, assim como não basta sua crença, quase mística, no imenso poder do mercado interno. Se a economia crescer menos do que os 4,5% previstos na proposta orçamentária, a arrecadação poderá ficar abaixo do valor previsto. Uma inflação maior poderá contrabalançar esse efeito, pelo menos em parte, contribuindo para abastecer o Tesouro. Mas essa hipótese não dispensa o governo de refazer suas contas e de repensar a programação financeira para 2009. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admitiu numa entrevista ao Estado a hipótese de uma revisão. O relator-geral do projeto de orçamento, senador Delcídio Amaral (PT-MS), foi além: chamou a atenção para a conveniência de cortes no gasto programado, de preferência no custeio, e teve a iniciativa de completar suas informações e sua avaliação do quadro com uma visita ao presidente do BC.

Já o ministro da Fazenda insiste na exibição de otimismo, como se nada muito preocupante ocorresse no mundo. "Não estamos a salvo, mas ainda não vejo necessidade de revermos projeções", disse o ministro numa entrevista à Folha de S.Paulo. Segundo ele, a provável desaceleração do crescimento econômico - de cerca de 6% para 4% em 2009 - já era esperada antes da crise. Isto é, para ele, se essa diminuição já era esperada antes da crise, a atual mudança no cenário global não faz diferença. O que é um absurdo.

Nessa entrevista, como em várias outras, o ministro Mantega insistiu na repetição de algumas noções e de alguns dados bem conhecidos: o País tem reservas cambiais, está mais preparado para um choque externo, o grande problema imediato é a falta de liquidez e medidas estão sendo tomadas para eliminar esse inconveniente.

Toda essa conversa, nesta altura, apenas comprova a desproporção entre os novos desafios e as qualificações do ocupante do Ministério da Fazenda para enfrentá-los. Para começar, há um contraste clamoroso entre as preocupações demonstradas pelo ministro Paulo Bernardo e pelo senador Delcídio Amaral e a atitude quase debochada do ministro Mantega em face do cenário de riscos para o Brasil.

Em vez de advertir o presidente de que ele erra ao atribuir ao mercado interno poderes quase mágicos, ele endossa o erro. O Brasil já tem um buraco na conta corrente do balanço de pagamentos. Esse buraco poderá aumentar perigosamente se a demanda interna crescer com vigor, em 2009, e o descompasso entre exportações e importações aumentar.

Certo está o BC ao prover financiamento para os exportadores. Certo estaria o resto do governo, se estudasse como conciliar algum crescimento interno com a preservação da solidez do balanço de pagamentos. As pessoas sensatas não são gratuitamente pessimistas, como dá a entender o ministro. Também não torcem contra o governo nem contra o Brasil, como insiste em dizer, em seus destemperos demagógicos, o presidente da República.

"Sou corintiano e keynesiano desde criancinha", disse Mantega na entrevista citada. Keynesianismo não quer dizer irresponsabilidade, nem leniência inflacionária, nem negligência diante dos sinais de perigo. São essas, no entanto, as atitudes costumeiramente exibidas pelo atual ocupante da Fazenda. Pior que isso: são atitudes cada vez mais valorizadas, na administração federal, desde o afastamento do ministro Palocci. Na ausência dele, sobraram como defensores da sensatez, no primeiro escalão, o ministro do Planejamento e o presidente do BC. Isso não basta para um país ameaçado por uma crise externa de grandes proporções.

Estadão

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domingo, 12 de outubro de 2008

Linha de Crédito

por Diogo Mainardi,
Publicado na Revista Veja


Walter Salles Jr. foi entrevistado pelo programa Hardtalk, da BBC News. Ele elogiou Lula sem parar. A última estrela do cinema a manifestar tanto entusiasmo pelo líder de sua pátria deve ter sido Lyubov Orlova, nos tempos de Stalin. Ou Oscarito, nos tempos de Getúlio Vargas.

A BBC News informa que, em Hardtalk, o entrevistado é confrontado com "perguntas duras". A pergunta mais dura que o apresentador de Hardtalk fez a Walter Salles Jr. foi por que os protagonistas de seus filmes permaneceram pobres se, com Lula no poder, o Brasil finalmente se transformou num país de classe média. Walter Salles Jr. respondeu que toda essa riqueza ainda precisaria de um tempinho para se espalhar. Em seguida, o apresentador do programa perguntou por que Central do Brasil tinha um tom bem mais otimista do que seu último filme, Linha de Passe, apesar de os brasileiros, com Lula no poder, estarem nadando em dinheiro. Walter Salles Jr. refletiu por um instante e respondeu candidamente que, quando realizou Central do Brasil, o país estava tomado pelo clima de euforia do fim da ditadura militar. Só para lembrar: Central do Brasil é de 1998. O AI-5 foi abolido em 1978.

Assim como chegou atrasado para comemorar o fim da ditadura militar, Walter Salles Jr. chegou atrasado também para comemorar o lulismo. No último domingo, Lula deu o primeiro passo rumo ao esquecimento. Sua derrota eleitoral nas principais cidades do país ridicularizou a idéia de que, com sua espantosa popularidade, ele conseguiria eleger facilmente um sucessor, por pior que fosse o candidato, até mesmo Dilma Rousseff. Agora o blefe acabou. Só Fernando Rodrigues continua a acreditar no poder plebiscitário de Lula. Depois do segundo turno, daqui a duas semanas, seus aliados devem migrar malandramente para o outro lado, sobretudo se Gilberto Kassab confirmar a vitória paulistana, garantindo de uma vez por todas a candidatura presidencial de José Serra.

Desde domingo, até a espantosa popularidade de Lula tornou-se menos espantosa. Com alguns minutos de propaganda por dia, dezenas de prefeitos espalhados pelo país conseguiram igualá-lo. Lula faz propaganda ininterrupta há seis anos. Ao contrário do que acontece com ele, ninguém enalteceu o carisma desses prefeitos. E ninguém louvou sua sabedoria política. De agora em diante, Lula tende a perder sua corte, ficando cada vez mais sozinho, mais isolado. Se o assunto é cinema, já dá para imaginá-lo aposentado, na escadaria de sua casa, vestido com roupa de gala, fantasiando um retorno aos seus dias de glória, como Gloria Swanson em Sunset Boulevard. E Walter Salles Jr.? Ele estará atrasado.

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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

"Criminalizar internautas é um erro", diz "pai" do Creative Commons

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
da Folha de S.Paulo

Na batalha pelo futuro dos direitos autorais, monopolizada pelos extremistas --de um lado, as indústrias da música e do cinema, que a tudo proíbe e a todos processa; de outro, os piratas, que tratam tudo como produto grátis-- o professor Lawrence Lessig fica no meio.

"Não estou com os abolicionistas do direito autoral, mas também não concordo com a criminalização de toda uma geração de internautas", diz Lessig, ex-professor de direito na Universidade de Chicago (onde ficou amigo de Barack Obama, então professor-adjunto), hoje ensinando em Stanford.

Lessig é a figura mais respeitada e conhecida na questão de direitos autorais, graças à sua criação, o Creative Commons (CC), que é um meio-termo na questão do copyright: ele permite aos criadores de uma obra intelectual qualquer compartilhar sua criação com mais liberdade --por exemplo, licenciando a obra para uso gratuito, desde que sem fins lucrativos.

Lessig esteve em São Paulo anteontem para uma palestra intitulada "A Cultura do Remix" --tema de seu próximo livro, que sai no fim deste mês-, no evento Digital Age 2.0, onde conversou com a Folha.


Javier Galeano/AP
Cubanos vêem vitrine em Havana; para criador do Creative Commons (CC), criminalizar internautas é um erro

Cubanos vêem vitrine em Havana; para criador do Creative Commons (CC), criminalizar internautas é um erro

FOLHA - O senhor disse em sua palestra que a atual geração não fala mais com palavras. Por quê?
LAWRENCE LESSIG - Nos séculos 19 e 20, ser alfabetizado significava aprender a escrever, unir palavras para expressar idéias. O que vemos neste século é que as palavras são só uma forma de alfabetização e que há outras formas mais atraentes para os nossos filhos, como as imagens.

FOLHA - Os críticos dizem que isso leva a um "emburrecimento".
LESSIG - Não acho que seja verdade. A explosão do acesso [à informação] permite às pessoas terem mais conhecimento. Em 1970, se quisesse saber o histórico dos vice-presidentes dos EUA, teria que ir a uma biblioteca, e apenas uma em cada 10 mil pessoas fazia isso. Hoje, quando alguém quer saber algo, o acesso é instantâneo, mais e mais pessoas têm aprendido.

De resto, mesmo se fosse verdade, e daí? Não vivemos num mundo totalitário onde podemos parar essa forma de cultura e forçar a volta apenas à leitura de livros. Precisamos aprender a viver com isso.

FOLHA - A liberdade da internet costuma ser vista como algo inerente ao sistema. O sr. concorda?
LESSIG - A liberdade da rede é produto de sua arquitetura, de seu código, e esse código pode ser mudado para que as liberdades sejam retiradas. E é do interesse das empresas e dos governos mudar esse design para restringir a liberdade. Por isso, organizações como a FSF (Free Software Foundation), de que já participei, são essenciais para pensar estratégias para evitar essas mudanças.

FOLHA - Como o sr. vê o futuro do Creative Commons?
LESSIG - Meu sonho é que o CC esteja morto em seis anos, que não seja mais necessário porque a legislação de direitos autorais se tornou racional. Mas, enquanto for irracional, mais artistas e criadores devem começar a usar as licenças do CC para ter seus trabalhos livres.

Não significa que todos vão usar, não espero que a Madonna passe a usar o CC tão cedo, mas antes de convencê-la vamos convencer gente suficiente de que o mundo não está dividido entre dois modelos extremistas, Hollywood numa ponta e os piratas na outra. A maioria dos criadores está no meio, espera alguma proteção.

FOLHA - Como o sr. vê iniciativas paralelas ao CC, como as do Radiohead e de Paulo Coelho, que colocaram suas obras de graça na rede?
LESSIG - É importante que tenhamos muitas experiências, mas acho ruim quando esses criadores fazem algo que parece que apóia a liberdade, mas que, quando vemos os detalhes, não funciona assim. O Radiohead é um bom exemplo: lançou concurso para que os fãs criassem remixes das músicas.
Mas, quando você lê a licença, descobre que a [gravadora] Warner fica com todos os direitos sobre os remixes criados.

FOLHA - O sr. tem um bom número de antagonistas. Há algo das críticas com que concorde?
LESSIG - Já aprendi muito com críticos meus, como Jack Valenti, chefe da Motion Picture Association [a associação dos estúdios de cinema], uma das pessoas a quem dediquei meu último livro, "Remix". Nós tivemos ao menos cinco conversas, e havia um tema que lhe era caro: as conseqüências que haveria para a geração de garotos que está crescendo levando a vida fora da lei [no que tange aos direitos autorais]. Achava isso bobagem, mas percebi que estava certo, e meu livro começa dizendo isso, que o grande problema é a criminalização dessa geração. É claro que discordamos quanto à solução: ele defende uma guerra mais eficiente contra nossas crianças, e eu espero que encontremos um sistema em que elas não sejam consideradas piratas.

FOLHA - Que mudanças podemos esperar nessa área, com o próximo presidente dos EUA?
LESSIG - Os EUA têm tantos problemas maiores que não acho que o próximo presidente vá ter tempo para tratar de direitos autorais. Dito isso, e sendo um apoiador de Obama, acho que, se ele vencer, vai levar para o governo uma geração de pessoas sensíveis ao tema.

FOLHA - O sr. seria uma delas?
LESSIG - Não acho que me ofereceriam um cargo e, como acho que eu não ajudaria, também não aceitaria.

FOLHA - O foco nos direitos autorais não deixa para trás um tema mais importante, o da democratização do acesso à rede?
LESSIG - Concordo que essa é uma crítica justa. Mas o que levaria a uma democratização mais rápida da web? No Brasil, há um movimento significativo nessa direção, o projeto Pontos de Cultura, que foi lançado quando [Gilberto] Gil era ministro [da Cultura]. Mas o que as pessoas vão fazer quando se conectarem? Vão querer compartilhar, expandir essa cultura do remix, que está no cerne da cultura tradicional brasileira, para a era digital. O melhor que podemos fazer, então, é criar um ambiente favorável a esse tipo de cultura na internet.

Folha Online

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sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Um bravateiro incorrigível

Para quem assistiu à sua lastimável pregação na sua primeira campanha presidencial, em 1989, verdade seja dita, Lula não tem sido um mandatário tão inconseqüente e irresponsável como se esperava. Os brasileiros escaldados da época o imaginavam como um Hugo Chávez ou um Evo Morales, portando com orgulho as suas bandeiras antiempresariais, anticapitalistas e, de modo geral, populistas e terceiro-mundistas. Graças a Deus, não foi o que aconteceu. Nossa cartilha econômica tem corte profundamente liberal, o que, fosse outro o país, não acarretaria em mérito algum, uma vez que todos obedecem a esses ditames.

Lula está colhendo sucessos no campo econômico justamente por causa disso. Estivesse dando ouvidos a algum economista aloprado do PT e a realidade seria bem outra. Uma noite destas assisti, curioso, na TV à preleção de um desses espécimes, pregando que a grande solução para o Brasil seria o calote puro e simples de nossa dívida externa.

Estaria tudo bem se nós ainda tivéssemos uma dívida externa ou, porventura, esta ainda arruinasse as contas nacionais. Mas não é o caso. Já há três anos o País mantém uma reserva em dólares (à vista) muito maior do que o montante da nossa dívida, que podemos liquidar integralmente com um único cheque. Só não o fazemos porque é muito mais vantajoso mantê-la como está, uma vez que a remuneramos com juros baixíssimos. O empertigado economista, no mínimo, não deve ler jornais...

Mas, se há perdão para Lula por não ser tão populista como se esperava que fosse, não há indulgência pelo fato de ele ser muito mais demagogo do que deveria ser. O nosso presidente, infelizmente, é chegado em factóides e nisso, para nosso desalento, é reforçado por uma imprensa que, fato inédito, beira a unanimidade a seu favor. Lula gosta de bravatear. E isso é fato inconteste. Trata-se de uma característica que, por diversas razões, não fica bem num presidente da República. A palavra de um chefe de Estado tem um peso infinitamente maior que a de um cidadão comum. Um simples comentário presidencial tem o poder de tumultuar as bolsas de valores, quebrar instituições de crédito, levar à ebulição o mundo político e, entre outras coisas, promover a glória ou a desgraça de qualquer cidadão comum. Lula parece que não se dá conta disso ou, como é habito seu, finge nada perceber.

O episódio recente das supostas reservas de petróleo do pré-sal é emblemático. Em cerimônia oficial no Palácio do Planalto, o presidente solenemente anunciou a descoberta de gigantescas jazidas de petróleo, tão imensas que teriam o condão de transformar o Brasil de importador em exportador do ouro negro. O fato foi destaque no noticiário mundial e agitou todos os pregões. Já nos dias seguintes o nosso Lula partiu para a "inauguração" de tais poços. Para tanto uma imensa comitiva de autoridades e notáveis foi levada de helicóptero para a plataforma marítima vizinha ao local de onde jorraria o novo petróleo.

Lula cuidou pessoalmente de garantir as fotos de primeira página nos jornais do dia seguinte. Lambuzou suas mãos de petróleo e assim posou para a imprensa. Sucesso total. Pena que somente na categoria marketing.

Os dias foram passando e a opinião pública foi tendo acesso a esclarecimentos cada vez maiores sobre o tal do "milagre do petróleo abundante". A jazida é mesmo gigantesca - nisso o governo não iludiu ninguém. Só se esqueceu de dizer que está debaixo de uma camada de quilômetros de sal e que tão cedo não haverá tecnologia eficiente que possibilite perfurar o sal e, assim, extrair o famigerado combustível. Quem sabe daqui a uns dez anos...

Na prática, foi como se nosso precioso petróleo tivesse sido descoberto em Marte, ou quiçá em algum planeta distante do Sistema Solar. O presidente sabia previamente de tudo isso? Há evidências de sobra que sim, ele sabia. Mas em nenhum momento lhe passou pela cabeça cancelar o espetáculo. Esse é Lula e essa é a maneira como ele age.

Outro episódio emblemático do governo Lula diz respeito à viagem do primeiro brasileiro ao espaço. Eu me interesso pelo assunto. Leio tudo o que sai a respeito. Foi por essa razão que estranhei o alardeado convite dos russos para que enviássemos um astronauta brasileiro para colaborar numa expedição sideral. Sem querer desmerecer o Brasil, desde quando nós temos por aqui mão-de-obra preparada e especializada para o País se sair minimamente bem de tão complexa tarefa. Estranhei mais ainda quando, acompanhando a viagem, notei que o brasileiro, na missão, não tinha absolutamente nenhuma atribuição - a não ser agitar freneticamente a Bandeira do Brasil.

Lembrei-me de que, meses antes, os russos haviam levado para o espaço um milionário americano - sem o mínimo conhecimento de tecnologia espacial - tão-somente porque ele se dispusera a pagar US$ 20 milhões pela aventura.

Seria apenas uma coincidência? Infelizmente, não. Duas semanas após o patriótico vôo do brasileiro, o nosso governo divulgou uma nota oficial em que declarava a intenção do governo Lula de contribuir para as pesquisas espaciais russas com a quantia de US$ 10 milhões. A passagem saiu pela metade do preço pago pelo americano. Razões diplomáticas talvez expliquem o desconto. Para Lula foi um excelente negócio: além de dialogar ao vivo com o nosso astronauta por pelo menos 15 minutos, no horário nobre da Globo, ainda teve a satisfação de ver seu prestígio, em pesquisa do Ibope uma semana depois, subir nada menos que dez pontos - de gente que atribuía totalmente a ele a nossa ida ao espaço. Vá alguém criticá-lo num momento desses, de sincera comoção popular... Por muito menos, no passado, muitos foram levados a Sanson, o operador oficial da guilhotina francesa.

Então, ficamos assim: Lula, por hábito, continua mentindo e nós, por prudência, continuamos acreditando.

João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado
E-mail: j.mellao@uol.com.br

Estadão
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080926/not_imp248293,0.php

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segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Desafios do pré-sal

Citando uns poucos números sobre os custos de exploração do petróleo da camada de pré-sal, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, deu mostras de realismo num debate marcado por uma euforia descontrolada das autoridades, a começar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não poucos membros do governo já discutem o destino a ser dado ao dinheiro que, no futuro, o petróleo e o gás dessa camada poderão carrear para os cofres públicos. Mas não tratam, com a seriedade que o caso exige, dos problemas financeiros, técnicos e logísticos a serem vencidos até que se consiga extrair petróleo e gás desses poços em condições economicamente viáveis para a empresa e para o País.

O agravamento da crise do sistema financeiro internacional - de dimensões ainda desconhecidas e que dificultará enormemente a obtenção de financiamentos e investimentos externos por um período igualmente desconhecido - deixou ainda mais evidente a falta de seriedade do governo no debate da questão.

O potencial da camada pré-sal é imenso. Só dos blocos Tupi e Iara, estima-se que podem ser extraídos de 8 bilhões a 12 bilhões de barris de petróleo. De gás, esses blocos e o de Carioca podem produzir 120 milhões de metros cúbicos por dia, o dobro do consumo atual do País.

Mas, para extrair essa riqueza, será preciso investir muito dinheiro. E ninguém sabe quanto. É disso que começa a tratar a diretoria da Petrobrás. "Para cada sistema produtivo (formado por plataforma e equipamentos de apoio) serão necessários investimentos de US$ 7 bilhões", calcula Gabrielli. E quantos sistemas serão necessários? "São muitos, mas não sabemos ainda quantos; podem chegar a 60." Se forem mesmo 60, o investimento necessário nos sistemas produtivos chegará a US$ 420 bilhões. Isso sem considerar o sistema de logística e de escoamento do petróleo e do gás, cujos projetos farão parte de um plano que a Petrobrás pretende anunciar em dezembro.

Não se pode, ainda, determinar com alguma precisão quanto será preciso investir para explorar a área do pré-sal. Igualmente ignoradas são as dificuldades técnicas que podem surgir no processo de prospecção e, depois, de exploração, que será feita em condições inéditas (a cerca de 300 quilômetros da costa e numa profundidade de cerca de 7 mil metros).

Com as informações disponíveis, um banco estimou, com grande margem de tolerância, que o custo de exploração e produção da área do pré-sal na Bacia de Santos variará de US$ 635 bilhões a US$ 1,3 trilhão, que terão de ser desembolsados ao longo de uma década ou mais. Não há estimativas sobre o custo do estabelecimento da cadeia produtiva para transformar o óleo em produtos refinados e petroquímicos, para que o País não seja um mero exportador da commodity energética.

Nem o Orçamento da União nem o da Petrobrás comportam esse volume de investimentos. Apesar da carga tributária crescente, a política fiscal brasileira é caracterizada, há muitos anos, por um nível muito baixo de investimentos e pelo crescimento muito rápido dos gastos correntes, sobretudo com pessoal.

Quanto à Petrobrás, seu programa de investimentos prevê aplicações de US$ 112,4 bilhões entre 2008 e 2012, em projetos e planos que já estão em andamento, ou seja, sem levar em conta o investimento necessário na camada de pré-sal. É um volume tão grande de dinheiro que torna difícil imaginar que a empresa tenha condições de multiplicar esse valor sem contar com a participação de investidores privados e de financiamento externo.

Mas a forma como o governo do PT colocou em discussão a questão do pré-sal, anunciando inicialmente sua intenção de rever as regras para a entrada de capital privado no setor, assustou os investidores. Eles só aceitarão participar de um projeto de dimensões grandiosas como o da exploração da camada de pré-sal quando a situação dos mercados financeiros se normalizar e se estiverem seguros de que as regras serão respeitadas e mantidas pelo prazo necessário para remunerar suas aplicações. Ao declarar, recentemente, que "é preciso uma definição clara do que vai acontecer a cada dia e não ficar mudando as regras do jogo", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia ter-se dado conta do grave erro que seu governo vinha cometendo ao discutir essa questão. Mas é preciso esperar para ver se essa declaração terá conseqüências práticas.

Estadão
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080922/not_imp245871,0.php

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sábado, 13 de setembro de 2008

Mais tensão entre os Poderes

Ao enviar à presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) um ofício comunicando que não cumprirá a decisão da Corte, que deu o prazo de 18 meses para que o Congresso votasse uma lei complementar sobre desmembramento e emancipação de municípios, o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), além de passar por cima das regras de funcionamento das instituições no Estado de Direito, e da própria Constituição em vigor, criou mais um foco de tensão entre os Poderes.

A decisão do STF foi tomada em 2006, durante o julgamento de um recurso impetrado pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso reclamando da demora do Congresso para votar lei complementar, que é prevista pelo parágrafo 4º do artigo 18 da Constituição de 88. Incluído no capítulo da organização político-administrativa do Estado, o dispositivo trata da criação, fusão e desmembramento de municípios para o que exige estudos de viabilidade fiscal e consulta prévia à população envolvida. Em 1996, a Emenda Constitucional (EC) nº 15 determinou que novos municípios só poderiam ser criados após a entrada em vigor dessa lei complementar.

Como o Congresso não a votou até hoje, algumas Assembléias passaram a legislar sobre a matéria. Contudo, o Ministério Público Federal (MPF) questionou esse tipo de iniciativa, alegando que, pelo princípio da hierarquia das leis, as Constituições estaduais não podem contrariar a Constituição Federal.

A tese foi acolhida pelo STF e a Assembléia Legislativa de Mato Grosso recorreu. Ao julgar o recurso, em 2006, a Suprema Corte determinou que o Congresso regulamentasse a criação de municípios até outubro de 2008. Pelo parágrafo LXXI do artigo 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, o STF pode tomar essa decisão "sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à cidadania". O problema é que, entre a EC nº 15, de 1996, e a decisão do Supremo, tomada em 2006, foram criados 57 municípios.

Por isso, eles estão vivendo uma situação de surrealismo jurídico. Pela EC nº 15, esses municípios não poderiam ter sido criados. Mas, pela decisão do STF, eles poderiam ser regularizados desde que o Congresso votasse até outubro próximo a lei complementar prevista pelo parágrafo 4º do artigo 18 da Constituição. Como esse prazo está vencendo e Chinaglia disse que não cumprirá a ordem do Supremo, dentro de semanas esses municípios podem perder existência legal, o que os obrigará a passar por um complicado processo de reversão de seu status jurídico.

Acontece que a maioria desses municípios já tem instituições consolidadas. Eles recebem regularmente da União as cotas do Fundo de Participação dos Municípios, mantêm um corpo de servidores selecionados por concurso e os órgãos públicos locais são responsáveis pela prestação de serviços essenciais de educação e saúde à comunidade. Em outras palavras, eles não têm mais condições de ser revertidos à condição de simples distritos.

Tentando justificar sua atitude, Chinaglia alega que não foi devidamente notificado pelo STF. Pela Constituição, contudo, quem deve receber a notificação não é ele, mas o presidente do Senado, que também preside o Congresso. A notificação foi entregue ao senador Renan Calheiros, na época em que, envolvido em denúncias, lutava para se manter na presidência do Senado. E seu substituto, o senador Garibaldi Alves, confessa que, por "desinteligência da burocracia", não foi informado da notificação.

Como se vê, o problema decorre da omissão política e da inépcia administrativa do Legislativo. Após ter comunicado que não cumprirá a ordem do STF, Chinaglia vem dizendo que a Corte não terá coragem de extinguir 57 municípios, alegando que "não se anulam fatos". Em resposta, o ministro Gilmar Mendes deixou claro que, se a lei complementar não for aprovada até outubro, "os municípios desaparecem".

Não é difícil ver quem tem razão nesse confronto. Enquanto o Congresso parece ter abdicado da função legisladora, gerando insegurança jurídica e deflagrando tensões institucionais, o STF continua adotando medidas para fazer cumprir direitos previstos na Carta de 88.

Estadão

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sábado, 23 de agosto de 2008

Acusado de assassinato e seqüestro, 'padre' das Farc se abriga no Brasil

Deu na Veja: A bem-sucedida estratégia do governo colombiano para desmantelar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o maior grupo guerrilheiro em atividade no continente, não se limita apenas às ações militares. A divulgação massiva dos métodos criminosos utilizados pela organização e a exposição da brutalidade empregada contra vítimas civis têm isolado cada vez mais os terroristas na selva amazônica. No início do mês, mensagens eletrônicas apreendidas em um computador das Farc obrigaram políticos e autoridades brasileiras a passar pelo constrangimento de ter de explicar o nível de suas relações com a narcoguerrilha. O embaraço tende a aumentar de proporção. O governo brasileiro deverá receber, em breve, um pedido de repatriação de Francisco Antonio Cadena Collazos, conhecido como padre Olivério Medina, guerrilheiro que mora há onze anos no Brasil. Nesse período, ele fez amigos influentes em vários setores do governo, manteve contatos com políticos importantes e atuou como elo dos interesses da guerrilha no país. Afora isso, pouco se sabia sobre o passado do padre, exceto que ele foi obrigado a fugir da Colômbia depois de trocar a batina pelo fuzil. A biografia oficial de Olivério Medina, porém, é bem menos santa do que faz crer a versão brasileira. O padre é acusado de promover seqüestros, atentados terroristas e ataques que resultaram na morte de quase uma centena de pessoas.

É a segunda vez que a Colômbia tentará conseguir a extradição do padre. Na primeira, em 2005, Medina, que chegou a ser preso, conseguiu obter do governo brasileiro o status de refugiado – um instrumento jurídico universal criado para proteger vítimas de perseguição política. As autoridades colombianas pretendem solicitar ao Ministério da Justiça a anulação do benefício. O pedido terá como base as mensagens eletrônicas apreendidas nos computadores de Raúl Reyes, o ex-número 2 das Farc, morto há cinco meses, e sua biografia colombiana. Os arquivos digitais mostram que, mesmo depois de obter o refúgio, Medina continuou integrando a cúpula da narcoguerrilha. Em mensagens trocadas com Reyes, o padre narra suas atividades a serviço das Farc no Brasil, revela quem são seus amigos no governo, detalha conversas pessoais do presidente Lula com ministros e diz que precisa atuar com discrição. A conduta contraria frontalmente as regras do refúgio. Em carta de próprio punho, Olivério Medina se comprometeu a romper totalmente as relações com as Farc. O documento foi decisivo para o Conare, órgão que analisa os pedidos, aprovar o refúgio. O governo também exigiu que Medina abandonasse qualquer atividade política. As mensagens eletrônicas mostram que nada disso foi cumprido. "Se forem comprovadas ações não permitidas, o caso terá de ser revisto", diz Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, presidente do Conare.

Os colombianos querem mostrar ao Brasil que, além do presente, o passado de Olivério Medina também compromete. A lei estabelece que pessoas que cometeram crimes hediondos, como atos terroristas e tráfico de drogas, não podem receber refúgio político. Olivério Medina já era acusado em processo criminal por homicídio com fins terroristas, seqüestro extorsivo, rebelião e terrorismo na Colômbia. Ele também foi condenado, em 2003, a dez anos de cadeia pelo crime de rebelião agravada. A sentença, que legalmente impede a concessão do refúgio, foi ignorada pelo governo brasileiro, que considerou muito frágeis os argumentos apresentados no pedido de extradição. VEJA teve acesso a um relatório produzido pelo serviço secreto colombiano que acusa o padre de participação em quatro ações das Farc, entre 1991 e 1998, que deixaram um saldo de 95 militares mortos e 121 pessoas seqüestradas. Os militares colombianos também relatam que Medina negociou armas para as Farc na Jamaica e "importou" da Bolívia cerca de 300 fuzis russos AK-47 para a guerrilha. "Ele tem as mãos sujas de sangue", disse um dos investigadores do grupo de combate ao terrorismo da Justiça colombiana. "Ao contrário do que muitos acreditam no Brasil, ele não é uma pomba mansa." O investigador, que pede para não ser identificado por medo de sofrer um atentado, trabalha em um edifício de Bogotá conhecido como "El Bunker". Protegida por cercas de arame farpado, que lhe emprestam um aspecto de trincheira, a construção é vigiada 24 horas por tropas fortemente armadas. Ali estão armazenadas as provas mais contundentes já colhidas pela Justiça contra a guerrilha – e também contra o padre.

A proximidade de Olivério Medina com as Farc e suas ações sanguinárias aparece com nitidez em um processo no qual ele é acusado de homicídio, terrorismo, seqüestro e roubo. O padre é apontado como comandante de uma tropa de 400 guerrilheiros que atacaram uma base militar do Exército, em 1991. A ação matou dois militares, feriu outros onze e levou ao seqüestro de dezessete homens. Armas pesadas, como fuzis, metralhadoras e granadas, foram roubadas. O guerrilheiro Arnulfo Cuervo Gil, capturado pelo Exército colombiano, contou à Justiça que a ação foi liderada por Medina e encomendada diretamente por Manuel Marulanda, ex-líder supremo da guerrilha, que morreu neste ano – o que revela a importância do padre na hierarquia do grupo. Olivério Medina, que era chamado de "Cura Camilo" pelos guerrilheiros, também atuou como instrutor militar na Casa Verde, quartel-general da guerrilha no estado de Meta. Suas especialidades eram inteligência urbana e finanças. De novo as coincidências chamam atenção. Medina, o professor de finanças, foi flagrado por espiões brasileiros em uma reunião nos arredores de Brasília, em 2002, anunciando que as Farc enviariam 5 milhões de dólares para a campanha do PT. O assunto nunca foi devidamente esclarecido.

Olivério Medina nasceu em uma família de camponeses na cidade de Garzón, vilarejo situado a 400 quilômetros de Bogotá, próximo à fronteira da Colômbia com o Equador. Ele tinha 17 anos quando, em 1964, 16.000 homens do Exército colombiano dizimaram um povoado da região para combater 48 camponeses armados que se reuniam em torno do ideário marxista. As Farc nasciam ali, em pleno quintal de Medina, mas a metamorfose do padre só aconteceria bem mais tarde. Formado em teologia, Medina foi padre até meados da década de 80, quando foi expulso da igreja e trocou definitivamente a Bíblia pelo fuzil. Aos 61 anos, ele, por enquanto, assiste de longe ao declínio do grupo guerrilheiro. Em 44 anos de existência, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) vivem seu pior momento. Acuada pelo Exército, fragilizada pela morte de seus principais líderes e cada vez mais isolada, a narcoguerrilha já apresenta sinais de agonia, com a desmobilização acelerada de suas tropas, reduzidas a um terço do efetivo em ação no início da década (veja o quadro). O padre sonha em conseguir o passaporte brasileiro para voltar à Colômbia.

No Brasil, Olivério Medina se casou com a professora paranaense Angela Slongo, teve uma filha e sempre se apresentou como embaixador das Farc. Antes do refúgio, organizava encontros com políticos e simpatizantes da guerrilha, promovia comitês de apoio, vez por outra recolhia contribuições em dinheiro para o grupo e até celebrava missas. Após a concessão do refúgio, Medina optou pela discrição. Alugou um pequeno apartamento em Brasília, onde mora com a família, mas não abandonou as atividades políticas. A Embaixada do Brasil em Bogotá recebeu, há duas semanas, um dossiê com três páginas e dois anexos contendo informações sobre atividades de Medina no país. O material, escrito em espanhol e classificado como reservado, relata uma série recente de atividades não autorizadas executadas pelo padre. As autoridades colombianas também juntaram cópias das mensagens eletrônicas que mostram as relações do padre com autoridades do governo brasileiro e a ficha judicial do guerrilheiro Medina. O documento já está no Ministério da Justiça – que, em breve, vai receber também o pedido formal para reavaliar a situação do mais famoso, influente e constrangedor refugiado político em território nacional.

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sábado, 9 de agosto de 2008

A ameaça chinesa

A vigorosa China, campeã mundial do crescimento econômico por mais de uma década, é hoje um fator de risco para a estabilidade global, juntamente com os Estados Unidos, segundo Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI. Essa avaliação interessa muito ao Brasil. O mercado chinês é hoje o terceiro principal destino das exportações brasileiras. De janeiro a julho deste ano, absorveu produtos brasileiros no valor de US$ 9,9 bilhões, praticamente encostando no segundo colocado, o mercado argentino (US$ 10,3 bilhões). Os Estados Unidos mantiveram o primeiro lugar, com importações de US$ 16 bilhões no período.

A crise americana já era sensível no ano passado e ninguém sabe quando terminará, porque o mercado imobiliário dos EUA, segundo muitos analistas, ainda não bateu no fundo do poço. Talvez a pior fase tenha passado e não se pode arriscar nenhuma afirmação mais otimista que essa. Dúvidas sobre a evolução da economia chinesa tornam o quadro geral muito mais inseguro.

Na China, como nos Estados Unidos, há dificuldades para combater a inflação. O caso chinês é particularmente complicado, segundo Rogoff, porque o banco central do país não tem poder. Enquanto as medidas de combate à inflação não surgem, os preços sobem e os sinais de crise se acumulam, porque o ritmo do crescimento econômico da China é insustentável, assim como o nível de seu investimento, próximo de 50% do PIB. Rogoff não diz como se fará o ajuste chinês, mas arrisca uns poucos palpites: flutuação e valorização do yuan, depois da Olimpíada, e reorganização do sistema financeiro. Com o esforço para reequilibrar a economia, o crescimento, ainda na altura de 10% ao ano, poderá diminuir. Em dois anos talvez chegue a uns 6%. Rogoff atribui 50% de probabilidade a essa hipótese.

Durante anos, a China prestou ao mundo pelo menos dois bons serviços. Exportando enormes e crescentes volumes de produtos baratos, contribuiu para conter a inflação na maior parte dos mercados. Crescendo por muito tempo a taxas entre 8% e 10% ao ano, contribuiu para uma longa fase de prosperidade global com estabilidade de preços. A contribuição para a prosperidade incluiu o financiamento do déficit externo e do rombo fiscal dos EUA, ajudando os americanos a prolongar seu crescimento. Esse financiamento foi feito com reservas acumuladas graças ao superávit comercial e ao grande fluxo de investimento direto na economia chinesa.

Esses bons serviços tiveram custos, principalmente para as economias ocidentais. A produção barata da China impôs uma dura competição às indústrias de outros países. Eliminou empregos, desviou investimentos e gerou reações protecionistas. O Brasil não ficou livre desses efeitos. O outro grande custo só apareceu mais lentamente. A economia chinesa é uma devoradora insaciável de energia, de matérias-primas, como produtos agrícolas e minérios, e de bens intermediários, como aço. Ao importar enormes volumes desses insumos, a China ajudou a economia dos países vendedores, como o Brasil, mas o efeito cumulativo desse processo foi uma explosão de preços.

A pressão sobre os mercados de matérias-primas não foi exercida só pela China. A Índia e outros importadores de alimentos e outros insumos, também contribuíram. Mas a participação chinesa foi sem dúvida a mais importante. Para continuar crescendo, a China deixou de exportar deflação e virou exportadora de inflação.

A retração da economia chinesa, se vier, terá um custo não desprezível para o Brasil. O País está razoavelmente preparado para turbulências externas, como têm observado Rogoff e outros economistas de prestígio. Mas a China é um parceiro de peso incomum. De janeiro a julho, proporcionou 8,9% da receita comercial brasileira, comprando principalmente primários e semimanufaturados.

Um esfriamento da economia afetará importações chinesas e, provavelmente, também as cotações de matérias-primas e bens intermediários. A valorização desses produtos foi muito importante, nos últimos anos, para a expansão das exportações brasileiras. É hora de pensar em como manter esse crescimento sem depender tanto daquelas classes de produtos. Não se trata de menosprezá-las, mas de reforçar a pauta exportadora.

Estadão

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POLÍTICA DE PRIVACIDADE

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