domingo, 2 de outubro de 2005

Terapia econômica

Instigante o artigo publicado na opinião de OGlobo de hoje:

Da terapia de choque à terapia do sono

KENNETH ROGOFF

Se os anos 90 foram a era da terapia de choque econômico, a década atual poderá ser lembrada pela paralisia das reformas econômicas. As razões podem diferir de país para país, mas o fato é que poucos políticos, em qualquer parte, estão tendo êxito em sacudir suas economias.

O problema não é apenas dos mercados emergentes, como Indonésia, México e Brasil, onde a esquerda que subiu ao poder não conseguiu encontrar uma alternativa viável ao tão condenado “Consenso de Washington” da liberalização econômica. O mesmo fenômeno pode ser visto também em muitos países ricos.

Numa coincidência notável, tanto o primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, quanto o chanceler da Alemanha, Gerhard Schroeder, anteciparam eleições, na esperança de dar impulso às reformas. Na Alemanha, as necessidades mais urgentes são reformas tributária e do mercado de trabalho; no Japão, o governo Koizumi quer privatizar o gigantesco serviço postal, cujo ramo financeiro envolve, como uma jibóia, o sistema bancário do país.

Mesmo nos Estados Unidos, um dos poucos países onde liberalização econômica não é palavrão, o presidente George W. Bush tem suas frustrações. Apesar de investir grande tempo e energia, ele não conseguiu convencer sua própria base a apoiar uma proposta relativamente modesta para adiar o colapso do antiquado programa de previdência do país. Bush até mesmo perdeu popularidade por causa da proposta de reforma.

Alguns atribuem o colapso global dos esforços de reforma à ineficiência dos líderes. É bobagem. Se o público está tão descontente com seus líderes, por que continua os elegendo e os reelegendo?

Não, o problema é mais sério. O fato é que em toda parte as pessoas têm dificuldade de absorver as mudanças rápidas que resultam da tecnologia e da globalização. Pois embora a globalização produza muito mais ganhadores do que perdedores, preocupa muita gente, e gente preocupada pressiona seus líderes a ir mais devagar.

Pode-se dizer a americanos e europeus que eles devem se alegrar com os produtos e o crédito baratos que lhes trouxe o comércio com a Ásia. Mas tudo a que seus políticos parecem atentar é se algum agricultor ou operário da indústria têxtil pode perder seu emprego. Pode-se dizer a latino-americanos ou a africanos que a sede insaciável da Ásia por recursos naturais continuará empurrando para cima os preços de suas commoditi e s e produtos de exportação agrícolas, fazendo dos campos de trigo minas de ouro. Mas tudo que parece preocupar seus políticos é a proteção de fabricantes internos que não têm como competir com os baixos salários da Ásia.

O presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, prega a flexibilidade como forma de enfrentar a globalização. Em alguns aspectos, sem dúvida, ele está certo. O mundo de hoje é cheio de correntes que mudam rapidamente, com a região que um dia floresce no dia seguinte entrando em colapso, como que atingida pelo furacão Katrina.

Se a mudança é inevitável, devemos tornar nossas economias mais flexíveis e nos preparar para conviver com as conseqüências. Não há outra saída. Então, por que o público não aceita essa necessidade de flexibilidade, que em última análise é o que significa a liberalização econômica com base no mercado?

O problema é que a maioria das pessoas não quer viver num mundo de mudanças extremamente rápidas. Na sua maioria, as pessoas são criaturas de hábitos; gostam da previsibilidade. Os operários alemães têm orgulho do que fazem e não gostam que lhes digam que o mesmo trabalho pode ser feito por muito menos na Polônia ou na Eslováquia. Quem tece roupas na Itália não quer saber de aprender serviço de guia turístico para hordas de visitantes da China porque este país vai tomar conta do seu trabalho.

Com toda essa resistência à mudança, não admira que tantos líderes políticos tentem pôr seus seguidores para dormir, na esperança de que, quando todo mundo acordar, tudo terá sido um sonho.

A Ásia, é claro, é diferente. A China está se desenvolvendo a um ritmo alucinante. Cidades inteiras nascem no deserto da noite para o dia. Ali se constroem mais estradas, aeroportos e pontes a cada cinco anos do que Europa e EUA, juntos, constroem em 20. Com uma longa história de mudanças cataclísmicas, freqüentemente violentas, a sociedade chinesa é talvez mais adaptável que as outras. Na Índia, onde se diz que há um forte consenso a favor de reformas tímidas, as coisas estão andando bem mais devagar — mas sempre para a frente. A Índia ainda não tem o peso da China no comércio global, mas sua população de 1,2 bilhão inevitavelmente vai entrar em cena.

A paralisia, fora da Ásia, vai continuar? Os ventos políticos vão mudar a favor da liberalização econômica, com o aparecimento de políticos transformadores, reminiscentes de Margaret Thatcher ou Ronald Reagan? Os políticos finalmente dirão a seus cidadãos que, se suas economias continuarem dormindo, poderão não acordar mais?

Creio que, na maioria dos países, a era da terapia do sono logo vai terminar. Mas receio que a mudança cause uma crise econômica global, resultante talvez de um penoso desfecho da extravagante rotina de empréstimos dos EUA. Só então as pessoas poderão acordar e votar em políticos que insistam em reenergizar as reformas econômicas.
KENNETH ROGOFF é ex-economista-chefe do FMI. © Project Syndicate.

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