segunda-feira, 17 de outubro de 2005

GUARIBAS

REUTERS:

Seca e pobreza ainda castigam cidade ícone do Fome Zero


Por Fabio Murakawa

GUARIBAS, Piauí (Reuters) - Bem longe dos escândalos de corrupção de Brasília, perdida no meio do sertão, padece a capital do Fome Zero. Dois anos e meio após sua implementação, o programa ainda não conseguiu resolver os problemas mais básicos que afligem a população da pequena Guaribas, no Piauí.

O município, com 4.500 habitantes, foi escolhido pelo governo Lula como projeto-piloto da principal ação governamental destinada a combater a fome no país. Mas dois terços dos moradores ainda não têm acesso à água potável.

Nas escolas, falta merenda desde janeiro, e a cidade não dispõe de um leito hospitalar ou posto de saúde. Guaribas, além disso, continua isolada do mundo, pois a estrada transitável mais próxima chega apenas a 54 quilômetros dali, na vizinha Caracol. E, nos vilarejos rurais, pipocam os casos de mortalidade infantil e desnutrição.

No final de agosto, a inauguração de uma obra conseguiu sanar parte do flagelo. O governo do Estado pôs em funcionamento uma adutora que finalmente levou água para as torneiras instaladas nas casas de 1.500 pessoas na sede do município.

"No dia da inauguração da adutora, tinha gente chorando de alegria", disse Rosângela Souza, coordenadora do Fome Zero no Estado.

Mas o drama da sede continua na zona rural, onde vivem dois terços da população. Com o sertão já vivendo a estação seca, a prefeitura tem alugado carros-pipa para socorrer as comunidades.

O governo do Estado acena com a possibilidade de construir 42 cisternas nas vilas rurais, mas a ação só terá resultados efetivos no ano que vem, quando voltar a chover.

Até o momento, a ação governamental com melhores resultados são os cartões do Bolsa Família, que distribuem em média 75 reais mensais para cada uma das 720 famílias beneficiada.

Com isso, 54 mil reais são injetados mensalmente na economia do município --praticamente o único dinheiro que circula por ali.

Fundada em 1997, Guaribas está entre os três piores IDHs do país --91 por cento da população vive com menos de 79 reais por mês, segundo o Censo de 2000.

A exemplo da capital federal, a corrupção também é um problema em rincões longínquos do país, como a capital do Fome Zero.

Guaribas está inscrita na lista de inadimplentes do Ministério da Educação, por não ter prestado contas em 2004 da destinação das verbas da merenda escolar. Assim, as escolas municipais estão sem comida desde janeiro.

De acordo com o prefeito Ercílio Matias (PMDB), empossado neste ano, a frequência dos alunos tem diminuído drasticamente. Em municípios como Guaribas, assim como na periferia das grandes cidades, a merenda é uma das principais razões para levar crianças à sala de aula.

"Não sei o que fazer, pois as crianças não têm culpa da má-gestão das verbas da merenda. Sem comida, não têm motivação para ir à escola", disse.

BARREIRO

Um exemplo da falta de água na zona rural de Guaribas é o pequeno vilarejo do Barreiro, onde vivem cerca de 40 famílias. Ano após ano, os moradores são vistos por habitantes das cercanias em sua peregrinação em busca da água, mulheres e crianças com latas na cabeça.

Na estação seca, quando o barreiro se transforma em um lodaçal, percorrem trilhas arenosas na área onde hoje fica o Parque Nacional Serra das Confusões, a 15 quilômetros dali.

Já nas primeiras chuvas, por volta de novembro, é corriqueiro vê-los em fila para apanhar o líquido marrom-avermelhado que se acumula nas "bitolas", trilhas deixadas pelos pneus dos automóveis na estrada de terra que liga o Barreiro ao município de Caracol, a 35 quilômetros dali.

No "inverno", estação chuvosa encerrada em junho, bebem a água do barreiro, escavação feita no solo para segurar a água da chuva e que dá nome ao lugarejo. A água tem cor de café com leite, e ali nadam os cachorros e as cabras dos moradores.

Todas as famílias contam casos de crianças doentes por beber a água e muitas das mulheres do Barreiro relatam ter perdido ao menos um filho.

Segundo o consultor da Unicef José Farias, cerca de um milhão de pessoas vivem em condições semelhantes no semi-árido, uma das regiões mais pobres do país.

Aliada à desnutrição, é a ingestão dessa água suja que explica a alta mortalidade de crianças nessa área do Nordeste.

Na região, que compreende 1.447 municípios, além de Minas Gerais e Espírito Santo, 58 em cada mil recém-nascidos morrem antes de completar um ano, contra uma média nacional de 26 crianças.

Os óbitos, segundo especialistas, podem ser até duas vezes maiores do que os números oficiais, uma vez que muitas das crianças não têm certidão de nascimento e, logo, sua morte não é computada nas estatísticas.

Os moradores sabem que a solução para grande parte de seus problemas começa pela água, que ainda não chegou. Antonio Fernandes dos Santos, 64 anos, mostra as demarcações de madeira feitas no chão há sete anos pela prefeitura. Segundo os moradores, ali seria contruído um poço com água limpa.

"O cupim já comeu os tocos de madeira quatro vezes, mas o poço ainda não saiu não", diz Antonio.

A explicação para a falta do poço está em um convênio assinado entre a prefeitura e a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), em 2001, quando o então prefeito Reginaldo Silva (PL) solicitou recursos para a construção de poços em sete localidades, incluindo o Barreiro.

Recebeu o valor de 242 mil reais mas jamais prestou contas do dinheiro. Passado mais de um ano e meio, as obras nem sequer haviam começado. E o dinheiro sumiu com o ex-prefeito, que seria cassado em 2003 por improbidade administrativa.

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